Neste artigo damos sequência à publicação do balanço das eleições de outubro feito pelo GOI-Palavra Operária, analisando as relações da burguesia e do proletariado com a Frente Ampla e o novo governo de Lula-Alckmin. Leia também o primeiro artigo deste balanço.
A burguesia diante do bolsonarismo e da Frente Ampla
Lula, em seu discurso, não falou dos números do financiamento massivo do patronato a Bolsonaro e à frente bolsonarista. Com isso, prestou mais um favor à burguesia ao ocultar da classe trabalhadora esta prova flagrante das inclinações políticas reacionárias da maioria da classe dominante.
Estes dados indicam que é preciso corrigir um elemento de nossa análise. Até aqui, consideramos que Bolsonaro era apoiado por um setor minoritário da burguesia, e que os setores dominantes apoiavam a Frente Ampla de Lula-Alckmin. Mas, os dados do financiamento eleitoral mostram o contrário. É preciso explicar isso.
Caracterizamos que há uma divisão da burguesia e uma crise do regime de democracia burguesa que se aprofunda na medida em que avança a crise mundial do capitalismo e se agudiza a luta de classes no país.
Esta crise política se expressa na falência dos grandes partidos patronais que governaram o país no início da Nova República (MDB, PSDB, DEM). Nestas eleições, isso ficou demonstrado pelo fiasco da chamada 3ª via (menos de 5% dos votos para a presidência), pela qual estes partidos e os setores “democráticos” da burguesia tentaram construir uma saída eleitoral por fora da polarização entre Lula e Bolsonaro. Estes partidos já tinham perdido o controle do Congresso Nacional para os partidos que encabeçam o Centrão (PL, PP, Republicanos), situação que se manterá na próxima legislatura. A perda do controle do Executivo e do Legislativo para os partidos e políticos do “baixo clero” é o que explica também o protagonismo do Supremo Tribunal Federal (STF) como “guardião da democracia”.
Resumindo: as frações dominantes da burguesia já não conseguem governar o país com seus principais partidos e dirigentes políticos, sendo obrigada a se adaptar às duas grandes forças políticas que polarizam o país: Lula, o PT e as organizações do movimento operário e de massas, por um lado, e Bolsonaro e sua frente da reação, por outro. Esta crise na superestrutura política expressa a perda de controle político da burguesia sobre as classes subalternas, o proletariado e a pequena burguesia.
Contudo, é preciso acrescentar que esta adaptação da burguesia não se faz da mesma forma em relação ao bolsonarismo e ao lulismo. Em relação a Bolsonaro e o bolsonarismo não há nenhuma incompatibilidade de classe, pois o caráter de classe de Bolsonaro e seu movimento político é completamente burguês, apesar de se apoiar na mobilização contrarrevolucionária da pequena burguesia. Já em relação a Lula, ao PT e ao movimento operário e de massas existe uma incompatibilidade de classe entre a burguesia e as principais organizações e dirigentes do proletariado. Isto ocorre apesar da política permanente de colaboração e conciliação aplicada por estes partidos e dirigentes, pois a burguesia sabe que, apesar de sua degeneração burguesa, a força política de Lula e do PT é derivada do apoio que recebem do proletariado e do controle que exercem sobre suas organizações de classe.
Todas as frações de classe da burguesia nada têm a reclamar da política econômica aplicada por Bolsonaro e Paulo Guedes, que consolidaram e deram continuidade aos grandes ataques à classe trabalhadora iniciados pelo governo golpista de Temer, com o objetivo de alavancar a taxa de lucro. As frações burguesas mais entusiastas do bolsonarismo são as que se beneficiam diretamente da “carta branca” para a expansão das atividades predatórias na Amazônia e nas zonas rurais, como o garimpo, a mineração, as madeireiras e a agropecuária. Assim como os abutres da especulação financeira e jogadores da Bolsa de Valores da laia de Paulo Guedes.
Contudo, o que indispõe um setor importante da burguesia a Bolsonaro é seu projeto político de poder: sua estratégia de demolição das instituições da democracia burguesa e substituição por uma ditadura militar sob seu comando; e, principalmente, sua tática perigosa de mobilização da pequena burguesia como instrumento de sua ascensão ao poder. Estes setores burgueses têm medo das consequências de uma escalada bonapartista e fascista do bolsonarismo, não por serem amantes da democracia e da conciliação entre as classes, mas porque aprenderam com a derrota do fascismo na IIª Guerra Mundial e com as derrotas das ditaduras militares na América Latina e outros países, derrotas impostas pela mobilização revolucionária do proletariado que colocaram o sistema capitalista à beira da destruição pela revolução socialista.
Como prognosticou Trotsky (*), diante da crise do seu sistema de dominação econômico e político, a burguesia só encontra saída no fascismo e na frente popular. Contudo, a burguesia não escolhe entre a frente popular e o fascismo como se escolhesse entre vestir uma camisa vermelha ou uma verde-amarela. Na verdade, está longe de ser uma escolha, mas sim uma imposição da luta de classes.
A burguesia pode se adaptar completamente ao fascismo, mas não é possível se adaptar à revolução proletária. E este é o fantasma que ronda a chegada da frente popular ao poder. A burguesia teme, sobretudo, que o proletariado, que hoje dá seu apoio à frente popular de Lula, amanhã o obrigue a avançar ou que rompa com ele para avançar em direção à revolução socialista. Esta profunda razão de classe é o que explica que a maioria da burguesia tema mais Lula do que Bolsonaro. Por isso, investiu maciçamente na reeleição de Bolsonaro e por isso não considera o governo de frente popular de Lula-Alckmin como sendo o seu governo.
A burguesia só é obrigada a se adaptar a um governo de frente popular quando a mobilização das massas trabalhadoras lhe impõe esta saída através da luta de classes, seja pela via revolucionária ou pela via eleitoral. E é esta a situação que lhe foi imposta pela grande mobilização da classe trabalhadora e do povo pobre e oprimido que levou a Frente Ampla de Lula-Alckmin ao poder.
O proletariado diante do novo governo Lula-Alckmin
A cavalo deste movimento do proletariado consciente, e como chefe indiscutível da frente única das organizações do movimento operário e de massas, Lula cumpre mais uma vez o seu papel histórico contrarrevolucionário: o de distorcer a consciência de classe e esterilizar o potencial revolucionário da classe trabalhadora.
Sob a direção de Lula e do PT a força da frente única operária é canalizada para a unidade política com os partidos e políticos decadentes da burguesia, na forma da frente popular, com o objetivo de salvar o sistema econômico e político do capitalismo em decomposição.
As massas trabalhadoras e a vanguarda ativista entendem que a vitória sobre Bolsonaro foi assegurada não pela frente única operária que se forjou em torno à candidatura de sua principal liderança política, mas sim devido às alianças de Lula com Alckmin, Tebet e os partidos e políticos burgueses da frente ampla, assim como pelo apoio recebido dos líderes mundiais do imperialismo “democrático”, como Biden e Macrón.
Da mesma forma, Lula e o PT alentam nas massas e no ativismo a ilusão reformista, pacifista e eleitoralista de que o novo governo de frente popular, por meio de negociações com a patronal e de negociatas com os picaretas e reacionários do Congresso Nacional, vai assegurar a melhoria das condições de vida e de trabalho, sem que a classe trabalhadora precise lutar.
O mesmo se dá em relação ao enfrentamento ao bolsonarismo, cuja tarefa é relegada por Lula e o PT às instituições apodrecidas do Estado burguês democrático, sobretudo ao STF, mas também às Forças Armadas, que, com Lula como novo “comandante em chefe”, voltariam à sua “missão constitucional” de defesa da ordem e da democracia.
Lenin, nas Teses de Abril, define as ilusões das massas trabalhadoras no Governo Provisório, nascido da Revolução Russa de Fevereiro de 1917, como “relações de confiança inconsciente destas com o governo dos capitalistas” ou como uma “inconsciência confiante das massas”. São estas relações de “confiança inconsciente” ou de “inconsciência confiante” que predominam nas massas trabalhadoras neste momento diante do governo burguês de Lula-Alckmin. Relações e consciência advindas não de uma revolução, como foi na Rússia, mas de uma vitória no terreno eleitoral.
O desenvolvimento da luta de classes no próximo período será marcado por esta contradição. A ação consciente do proletariado para levar Lula ao poder, apesar de seus limites democráticos e reformistas atuais, avança inconscientemente no sentido da luta revolucionária por um Governo da Classe Trabalhadora. Mas, este avanço do proletariado é desviado e paralisado devido à “consciência confiante” das massas em Lula, no PT e nas direções burocráticas e reformistas que buscam canalizar e esterilizar a força da frente única operária para a colaboração de classes.
Porém, a vitória da Frente Ampla e o novo governo de frente popular de Lula-Alckmin elevam esta contradição entre a ação e a consciência do proletariado a um patamar superior de experimentação de suas principais direções políticas, agora instaladas no governo e responsáveis diretas pela aplicação dos planos da burguesia e do imperialismo de aumento da exploração e da opressão da classe trabalhadora. Esta é a grande oportunidade que oferece aos revolucionários o governo da frente popular.
Daqui se deduz a nossa tarefa central, como afirma Trotsky no Programa de Transição: “A tarefa central da IV Internacional consiste em libertar o proletariado da velha direção, cujo conservantismo se encontra em contradição completa com a situação catastrófica da desintegração do capitalismo e constitui o principal obstáculo ao progresso histórico. A principal acusação que a IV Internacional lança contra as organizações tradicionais do proletariado é a de que elas não querem se separar do semicadáver da burguesia.”
Nossa organização, buscando traduzir esta tarefa para a realidade do país, aplicou uma política diante da Frente Ampla que devemos avaliar.
(*) “As frentes populares de um lado e o fascismo de outro são os últimos recursos políticos do imperialismo na luta contra a revolução proletária. Do ponto de vista histórico, ambos recursos constituem, contudo, uma ficção. A putrefação do capitalismo continua, tanto sob o signo do barrete frígio na França quanto sob o signo da suástica na Alemanha. Apenas a derrubada da burguesia pode oferecer uma saída.” (L. Trotsky, O Programa de Transição)