Célia Souza
A Independência do Brasil, forjada e reivindicada nestes tempos sombrios, pela imprensa burguesa e pelos órgãos oficiais, esconde acordos palacianos entre brasões e latifúndios capazes de desnudar essa romantização glamourizada difundida pelos meios de comunicação.
O comportamento soberbo, comum à nobreza, e transparente nas atitudes de D. Pedro I, pode ser notado na transição do poder quando, a fim de garantir vantagens pessoais, assegurou-se de obter o domínio do trono brasileiro em 1822, oferecendo aos latifundiários a liberdade econômica tão sonhada, porque a partir dessa data não mais pagariam qualquer centavo de seus lucros à coroa real portuguesa.
A monarquia e a continuidade do trabalho escravo formavam o pacote completo aos interesses dos escravocratas, e com isso os lucros dobravam, tanto para este monarca quanto para seus parceiros de exploração da classe trabalhadora negra e escravizada.
Assim a tal Independência do Brasil se consolidava, sobre o dorso sangrento de trabalhadoras e trabalhadores tratados de maneira desumana desde os tempos coloniais.
Este é o verdadeiro retrato dessa independência, não do Brasil, mas sim dos que lucravam com a permanência da crueldade do trabalho forçado, dos estupros de mulheres trabalhadoras negras, da dilaceração das famílias e de suas crianças, que desde o processo de sequestro ocorrido na África (século XVI) para a criação das lavouras de açúcar, até então se mantinham intactos. Independência e morte deveria ser o mote deste descalabro.
O 7 de setembro significa e significou a permanência do trabalho escravo no Brasil, pois em 1822 apenas o latifúndio e os latifundiários tiveram seu projeto de libertação assegurado.
Essa dura realidade se estendeu até o final do século XIX quando as lutas dos trabalhadores e trabalhadoras escravizados se radicalizaram. No estado do Ceará, em 1884, a Revolta dos Jangadeiros, deflagrada pelo Dragão do Mar em 1881, encerrava este episódio de terror, muito antes do decreto falacioso de 13 de maio de 1888, que não concedeu bondades nem garantias a nenhum negro e nenhuma negra que foram mantidos sem salários e devedores por continuarem nos trabalhos das fazendas em troca de comida e um chão de terra batida para dormirem. Pagavam por isso com o trabalho, obviamente escravo!
Foram sessenta e seis anos, entre 1822, a tal da independência e 1888, o tal do decreto de abolição do trabalho escravo. A reflexão sobre estes fatos é obrigatória, assim como a revolta também.
Da colonização até sua continuidade com o nome de Monarquia, foram inúmeras as revoltas dos trabalhadores e trabalhadoras escravizados/as, desde Ganga Zumba, Zumbi e Dandara, passando por outras e outros ilustres desconhecidos dessa história de lutas contra a escravidão. Tivemos momentos magníficos como a tentativa de tomada do poder político em 1835, pela Revolta dos Malês (Bahia-Salvador), povo africano islamizado, cuja lutadora Luíza Mahin, foi incansável pela libertação de seu povo. Mãe de Luiz Gama, um jornalista e advogado ao qual foi negado o título por sua condição de cor, mas que a História não conseguiu apagar, como muitas e muitos que lutaram pela verdadeira independência. Uma de suas frases, é capaz de resumir os séculos de abusos, crueldade, espancamentos, sentenças de morte e outros rompantes de violência cometidos pelos senhores escravocratas: “matar o senhor é legítima defesa”.
Não nos esqueçamos de que também os povos originários (indígenas) sofrem extermínios, cotidianamente, desde que aqui pisaram os colonizadores portugueses. Nestes últimos anos, os ataques às reservas destes povos têm se intensificado pela ação de madeireiros, mineradores e latifundiários, invasores dos territórios demarcados, que matam lideranças, estupram mulheres e meninas, impõem o terror até conseguirem o domínio onde continuam exercendo suas ações criminosas.
A independência ainda está por acontecer, pois a classe trabalhadora, de maneira geral, vem acumulando derrotas desferidas pelos covardes, mandatários do capital. Perdas de direitos trabalhistas, sociais e individuais acentuados a cada golpe desferido pelas burguesias nacionais, que a serviço de parceiros estrangeiros não medem esforços para enterrar o pouco que ainda restou. Milhares de famílias são lançadas às ruas sob a violência do Estado burguês, ávido por lucros e cegos pela ambição do poder.
Essa “história” da independência do Brasil, distorcida e fantasiada pelos donos do poder, contada “em versos e prosa” pelos meios de comunicação burgueses um dia terá seu fim.
Recomendação de leituras
https://pp.nexojornal.com.br/linha-do-tempo/2021/Revoltas-escravas-no-Brasil-do-s%C3%A9culo-19