W. Ioffe
Eram cerca de 18:30h quando saí de casa para o trabalho, na noite fria de 11 de agosto. Trabalhadoras e trabalhadores, cansados, se espremiam nos ônibus na volta para casa. Na escola, entre goles de café, os colegas conversavam normalmente sobre os problemas com os alunos e outros assuntos cotidianos. As aulas transcorreram dentro da normalidade e, ao final, também voltamos em ordem para nossas casas.
Pelas redes sociais me informei que os metalúrgicos de nossa região seguiram, durante todo o dia, fazendo assembleias nas portas das fábricas, mobilizados pelo sindicato para a campanha salarial.
Para um observador qualquer poderia parecer que foi um dia normal, de casa para o trabalho, do trabalho para casa. Mal saberia, porém, nosso desavisado observador, que o 11 de agosto de 2022 foi um dia “histórico” para o país.
Sob as “arcadas” da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, uma plêiade de representantes da nação se reuniu para defender a democracia. O evento foi coberto ao vivo pelos principais meios de comunicação da imprensa burguesa e da imprensa alternativa de esquerda. Ao microfone, em tom solene, os líderes se revezaram para fazer a leitura de duas cartas em defesa da democracia. A primeira, escrita por eméritos doutores da Faculdade de Direito, deu a largada para o evento cívico; a segunda, de iniciativa da FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), reuniu as principais entidades patronais, como a Febraban (a federação dos banqueiros), a Federação do Comércio, e as principais centrais sindicais, encabeçadas pela CUT e a Força Sindical.
A festa da democracia colocou lado a lado juristas democratas como o ex-ministro de FHC, José Carlos Dias, e o reacionário Miguel Reale Jr, um dos artífices do golpe contra o governo Dilma Rousseff. Ao lado do banqueiro Armínio Fraga e do industrial Josué Guimarães, estavam representantes da CUT, Força Sindical, MTST, MST, UNE, CMP, Coalizão Negra e outras entidades do movimento sindical, popular e camponês, assim como dirigentes do PT, PSOL e PCdoB. O PSTU e o Polo Socialista se somaram ao evento com uma carta própria assinada pela CSP-Conlutas e a Intersindical.
As juras de fidelidade à democracia se alternavam com os arroubos antigolpistas. Porém, evitou-se atacar diretamente a Bolsonaro, para dar ao ato um caráter cívico e suprapartidário. Com este objetivo Lula e Alckmin não estiveram presentes, limitando-se a apoiar à distância.
Na rabeira do ato no Largo de São Francisco, nas capitais do país, passeatas foram organizadas pelos sindicatos, movimentos e partidos de esquerda, reunindo principalmente liberados sindicais, assessores parlamentares, candidatos às eleições e alguns estudantes. Nelas, respirava-se o mesmo clima de congraçamento democrático, apimentado com os gritos de “Fora Bolsonaro!”.
O povo ausente
O grande ausente no “histórico” 11 de agosto de 2022 foi o povo trabalhador, que, assim como nosso desavisado observador, não ficou sabendo que as forças vivas da nação haviam se reunido para salvar a república.
Desta forma, chegou ao clímax a política de unidade com a burguesia “em defesa da democracia”, instrumentada pela frente ampla que se reúne em torno de Lula e Alckmin, no rastro da qual se colocam todas as organizações do Movimento Fora Bolsonaro, entre elas os partidos e correntes revolucionárias que propugnam a “unidade de ação” com a burguesia. Quanto mais se amplia e avança a unidade democrática da esquerda com a burguesia, mais se distancia das lutas e necessidades do povo pobre e trabalhador.
Bolsonaro colhe os frutos
O caráter elitista do “histórico” 11 de agosto não deixou de ser explorado politicamente por Bolsonaro, que ironizou no Twitter: “Hoje aconteceu um ato muito importante em prol do Brasil e de grande relevância para o povo brasileiro: a Petrobras reduziu, mais uma vez, o preço do diesel.” Desta forma, Bolsonaro busca permanecer no poder se apresentando como um presidente que está preocupado com as condições de vida do povo, tentando iludir os setores mais atrasados da classe trabalhadora de que o aumento da miséria não é causado pela política econômica antioperária de seu governo. Na esteira desta política, nas últimas semanas vieram os decretos do aumento do Auxílio Brasil para R$ 600, do auxílio emergencial para os caminhoneiros e do reajuste do piso salarial das trabalhadoras e trabalhadores da Saúde. Além destas medidas, Bolsonaro se beneficia da relativa melhora da economia brasileira, com o pequeno avanço do PIB e a pequena redução do desemprego.
Os frutos da tática eleitoral bolsonarista já são visíveis. No mesmo dia 11 de agosto, uma pesquisa eleitoral apontava o crescimento das intenções de voto em Bolsonaro (de 32 para 35%), e a estagnação de Lula (37%) no estado de São Paulo, principal concentração do proletariado no país. Nos últimos meses, as pesquisas nacionais indicam crescimento constante de Bolsonaro justamente no eleitorado mais próximo a Lula: entre as mulheres, passou de 18 para 28%; entre os que tem renda até 2 salários-mínimos, avançou 5 pontos, para 25%, e na faixa de 2 a 5 salários-mínimos, passou de 25 para 33%. Lula ainda mantém larga vantagem nestes setores, mas avançou apenas entre os mais ricos, o que, do ponto de vista do número de votos, é insignificante. O avanço de Bolsonaro e a estagnação de Lula já tornam mais provável que a eleição será decidida apenas no 2º turno.
De que serve a unidade com a burguesia?
Estes números das pesquisas eleitorais mostram que a frente ampla e a “unidade de ação” com os setores “democráticos” da burguesia, que culminou nos atos de 11 de agosto, nem sequer do ponto de vista eleitoral, é vantajosa para Lula. A aliança nacional com Alckmin e com outros políticos dos partidos burgueses nos estados não agregou votos a Lula, que permanece com cerca de 45% dos votos, antes e depois de fechar estas alianças. Já para Alckmin e os políticos da burguesia, completamente desmoralizados junto ao povo, a aliança com Lula é uma verdadeira tábua de salvação, para si mesmos e para sua “democracia” moribunda.
Em relação às necessidades da luta da classe trabalhadora, a unidade com a burguesia é extremamente funesta. Para lograr a unidade eleitoral com a burguesia, Lula, Boulos, PT, PSOL, PCdoB, e as direções majoritárias dos sindicatos e movimentos do proletariado impõem a divisão e a atomização das lutas do povo trabalhador, ao mesmo tempo que o mantém longe da “luta em defesa da democracia”. A única tarefa que dão ao proletariado é apertar o botão da urna para eleger Lula e os candidatos da esquerda em 2 de outubro.
A realidade vem nos dando razão na crítica que fazemos às organizações que defendem a “unidade de ação” democrática com a burguesia, de que esta política leva o movimento Fora Bolsonaro a se desvincular das lutas imediatas da classe trabalhadora em defesa do salário, emprego, contra a fome e a miséria, e das lutas dos povos oprimidos em defesa da terra e da liberdade. Na medida em que a burguesia não está a favor destas lutas, porque se chocam com seus interesses de classe exploradora e opressora, a “unidade de ação” só pode se dar em torno a uma falsa “defesa da democracia”. O resultado é que as lutas do proletariado seguem isoladas e atomizadas, enquanto o movimento político Fora Bolsonaro vai minguando nas ruas, a reboque da frente ampla eleitoral de Lula-Alckmin.
Não há democracia sem condições dignas de vida e de trabalho para o povo trabalhador. E para conquistar uma vida digna, a classe trabalhadora terá de fazer uma dura luta contra a burguesia e o imperialismo. Desta verdade de ferro decorrem as tarefas do proletariado nesta conjuntura:
Nenhuma unidade com a burguesia e seus políticos e partidos decadentes e corruptos!
Pela unidade da classe trabalhadora e dos povos e setores oprimidos!
Por Emprego, Salário, Direitos, Terra e Liberdade!
Que Lula rompa com Alckmin e os partidos burgueses!
Que Lula governe sem patrões! Junto com os sindicatos e movimentos de luta da classe trabalhadora.