Conjuntura Nacional (parte 2): A crise política e as eleições de 2022

Colocamos à disposição de nossas/os leitoras/es a segunda parte da Analise de Conjuntura feita pelo GOI, com data de 16/9/2021.

É sobre esta realidade de profunda crise econômica e social que se assenta a crise crônica do regime político, que hoje é uma fratura exposta para o conjunto da sociedade. E quando falamos em crise do regime político estamos falando da crise da democracia burguesa. Este é um fenômeno mundial, e sua imagem mais icônica foi a invasão do Congresso dos Estados Unidos por grupos ligados a Trump, em janeiro deste ano.

No Brasil, a expressão mais evidente desta crise política é a polarização do país entre duas saídas de governo: um governo Lula ou um governo Bolsonaro. Nenhuma destas opções são do agrado da grande burguesia. Lula já foi levado à prisão após o golpe contra Dilma e a campanha de demolição do PT instrumentalizada pela Operação Lava Jato. Bolsonaro é atacado sem trégua pelos principais meios de comunicação e porta vozes da burguesia. Os dirigentes econômicos e políticos dos setores burgueses dominantes tentam alavancar a chamada “3ª via”, que seria uma saída de poder encabeçada pelos seus principais partidos e dirigentes políticos para as eleições presidenciais de 2022, mas, até agora, fracassaram, e dificilmente vão obter sucesso nesta empreitada. [https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,grupo-derrubando-muros-reune-empresarios-e-prega-uniao-da-oposicao,70003839291]

Os atos de 12 de setembro, convocados por este setor burguês, reuniram cerca de 10 mil pessoas em todo o país, deixando a nu a sua impotência política. Há quase 20 anos, desde a eleição de Lula em 2002, a grande burguesia é obrigada a conviver com governos “atípicos” (2 governos Lula, 2 governos Dilma, governo Bolsonaro), que não tiveram à frente seus grandes partidos e dirigentes. A exceção foi o breve interregno do governo Temer, imposto pelo golpe de 2016. Isso se deve ao fato de que os partidos e dirigentes políticos que representam os setores burgueses dominantes estão desmoralizados diante das grandes massas, que já fizeram a experiência com seus governos desde a redemocratização de 1985. Os partidos que governaram o país no alvorecer da Nova República, o MDB, de Sarney, Temer e Renan Calheiros, o PSDB, de FHC e Dória, o DEM, de Mandetta, Rodrigo Maia, ACM Neto e Rodrigo Pacheco, já não conseguem controlar o poder político central do país, apesar de manterem ainda um controle importante em nível dos estados e municípios. Um subproduto dessa falência dos grandes partidos burgueses é a proliferação de partidos e o caráter cada vez mais abertamente mercenário e corrupto dos “políticos”, simbolizado pelo “Centrão”, cuja única ideologia e fidelidade política é o cifrão (R$).

É preciso entender esta falência dos grandes partidos burgueses e a polarização entre Lula e Bolsonaro a partir da luta de classes.

Lula segue sendo o principal dirigente político do movimento operário e de massas, quer dizer, dos sindicatos, dos movimentos organizados e dos partidos que falam em nome do povo pobre trabalhador e oprimido. Massas de milhões de mulheres e homens depositam em Lula suas esperanças de voltar a ter um governo “do lado do povo”: os setores mais organizados e conscientes do proletariado, do campesinato pobre, da juventude e do povo pobre das quebradas e favelas, da “classe média” e da pequena burguesia progressistas. Neste campo político se alinha a esmagadora maioria dos ativistas que impulsionam as manifestações pelo Fora Bolsonaro e a vanguarda das lutas sindicais, populares, camponesas, antiopressões, dos povos originários, etc. Isto está expresso hoje nas pesquisas eleitorais para presidente, 40% dos votos no 1º turno, segundo a pesquisa mais recente, feita pela XP/Ipespe  [https://www.cnnbrasil.com.br/politica/lula-tem-40-das-intencoes-de-voto-para-2022-e-bolsonaro-24-diz-pesquisa-xp/]

O apoio das massas proletárias a um novo governo Lula expressa os elementos progressivos da sua consciência em direção a um governo da classe trabalhadora. Mas, poderíamos dizer que é apenas uma semiconsciência de classe, na medida em que está mesclada com a consciência burguesa reformista, pacifista e eleitoralista. A experiência destes setores com os governos de Lula e Dilma, sobretudo nos dois mandatos de Lula e no primeiro mandato de Dilma, que foram períodos de crescimento econômico (2002 a 2014), reforçou a ilusão de que é possível um governo que “governe para todos”, que satisfaça todas as classes sociais através da colaboração entre o capital e o trabalho, da conciliação pacífica através do voto e das eleições. Estas contradições na consciência das massas trabalhadoras são manipuladas habilmente por Lula para a formação de um novo governo de coligação e colaboração de classes, de “frente ampla” com a burguesia “democrática”. Seu trabalho de enganar as massas é facilitado pela política oportunista e sectária das direções de partidos e grupos que se propõem como alternativas independentes ao PT, como a esquerda do PSOL e o PSTU, como veremos.

Bolsonaro encarna o “fuhrer” (líder), o “mito”, o “salvador da pátria” para outras milhões de pessoas, cerca de 24% do eleitorado, de acordo com a pesquisa XP/Ipespe acima citada, o que equivale a cerca de 35 milhões de pessoas. Este extrato social, o “bolsonarismo raiz”, é formado pelos setores mais raivosos, preconceituosos e antioperários da pequena burguesia arruinada e das “classes médias” conservadoras; pela casta militar, principalmente os oficiais, mas também por uma grande parcela, senão a maioria, dos praças (soldados, cabos, sargentos e suboficiais); pelos setores mais atrasados política e culturalmente do proletariado, entre eles  aqueles que “giraram à direita” após se decepcionarem com os governos de Lula e do PT; e grande parte da juventude proletária e pequeno burguesa que se encontra sem perspectivas de vida e de trabalho, mas seduzida pela ideologia do “empreendedorismo” e enganada pela política do “menos direitos , mais empregos”.  O projeto bolsonarista é apoiado e financiado hoje por um setor minoritário, mas poderoso, da burguesia: latifundiários, madeireiros, mineradores, parte importante dos grandes empresários do comércio e serviços, especuladores imobiliários e financeiros, igrejas e mídias evangélicas e católicas, milícias paramilitares narcotraficantes do Rio de Janeiro, entre outros setores (que necessitamos estudar mais detalhadamente).

Como já sintetizamos em um texto escrito em 2019: o bolsonarismo reúne “os setores burgueses mais decididos a levar até o fim a ofensiva reacionária contra a classe trabalhadora. Sua política pode ser resumida assim: submissão total ao imperialismo ianque e seus planos de recolonização; entrega da Amazônia e das riquezas nacionais à rapina capitalista, e privatização total das estatais, da saúde e educação públicas; destruição das conquistas trabalhistas e sociais; imposição de legislação e educação machista, racista, LGBTfóbica e xenófoba; esmagamento das organizações operárias e de luta das massas; imposição de uma ditadura pessoal no país.”. A saída do governo do juiz Sérgio Moro, o herói da “luta contra a corrupção”, o expurgo de militares “mais moderados” e a colocação do vice general Mourão “na geladeira” expressam a ruptura da direita “esclarecida” com o bolsonarismo, refletindo o afastamento de parte da “classe média” (conservadora, mas “republicana” e “civilizada”) que hoje dá base ao projeto da 3ª via burguesa. O governo de Bolsonaro fica cada vez mais restrito aos setores totalmente “fiéis ao chefe”: os generais e oficiais militares fascistas e semifascistas (Heleno, Ramos, Braga Neto); os políticos ligados ao Centrão, comprados a peso de ouro no Congresso Nacional (Onyx Lorenzoni, Ciro Nogueira). Paulo Guedes segue sendo o elo com o imperialismo e o empresariado, sobretudo os especuladores da dívida pública e os setores diretamente interessados na privatização das estatais e serviços públicos, na entrega da Amazônia, etc. O oficialato das Forças Armadas e policiais ocupa uma parcela considerável dos cargos de confiança nos ministérios.

A substituição dos chefes das Forças Armadas por oficiais mais fiéis a Bolsonaro impôs um maior controle de Bolsonaro sobre a cúpula militar (expresso na demonstração de força brancaleônica de 10 de agosto, em Brasília). A compra do Centrão tem garantido o controle da Câmara dos Deputados, com a blindagem contra os processos de impeachment e a aprovação automática da pauta reacionária de reformas do governo contra a classe trabalhadora (Privatização dos Correios, Minirreforma Trabalhista, etc.). Já o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Senado ainda resistem às investidas de Bolsonaro e seus generais, dando base à chamada “crise entre os Poderes”. Uma rápida olhada na composição destes organismos do Estado é suficiente para entender por que ainda não se submetem passivamente a Bolsonaro. O Senado, ao contrário da Câmara dos Deputados, segue sendo controlado pelos velhos partidos burgueses do regime (MDB, PSDB, DEM, etc.) [https://www25.senado.leg.br/web/senadores/em-exercicio/-/e/por-partido] o que explica a CPI da Covid-19 e a resistência à aprovação dos “jabutis” bolsonaristas vindos da Câmara (como foi a recusa da Minirreforma Trabalhista). Já o STF, cujos ministros são diretamente nomeados pelos presidentes da República (obviamente a partir de critérios políticos), tem hoje a seguinte composição: 1 ministro nomeado por Bolsonaro, 1 nomeado por Temer (MDB), 4 nomeados por Dilma (PT), 3 nomeados por Lula (PT), 1 nomeado por FHC (PSDB), e 1 cargo vago (do aposentado Marco Aurélio Mello, nomeado por seu primo Fernando Collor de Mello), que será preenchido por nomeação de Bolsonaro. Ou seja, dos 11 ministros do Supremo, 7 foram indicados pelo PT, e apenas 1 por Bolsonaro. [https://pleno.news/brasil/politica-nacional/stf-pt-indicou-7-dos-11-atuais-ministros-da-suprema-corte.html]. O Senado e o STF têm sido os “poderes” manejados pelos setores não bolsonaristas da burguesia com o objetivo de colocar um freio nas pretensões, atitudes e medidas bonapartistas de Bolsonaro e sua tropa.

Os episódios mais marcantes dos últimos meses mostraram com nitidez o caráter e os limites dos embates entre a fração bolsonarista e a fração “democrática” da burguesia. Em outras palavras, mostraram a audácia bonapartista do bolsonarismo e a covardia congênita da burguesia “democrática”. Quando Bolsonaro trocou a cúpula do “seu” Exército, da Marinha e da Aeronáutica e exigiu fidelidade a ele como “comandante supremo”, a burguesia “democrática” fez um escândalo, mas, ao final, colocou o “rabo entre as pernas” e ficou se queixando nos cantos contra a “politização” das forças armadas. Durante as semanas que antecederam as manifestações bolsonaristas de 7 de setembro, o racha entre os empresários veio a público. Enquanto a burguesia bolsonarista financiava a organização dos atos da direita, e Bolsonaro insuflava os quartéis com o chamado à participação dos militares nos atos, os setores “democráticos” articulavam “manifestos” em defesa da “harmonia entre os poderes”. Várias entidades representativas da burguesia se dividiram. A FIEMG (Federação das Indústrias de Minas Gerais) soltou um manifesto alinhado a Bolsonaro, obrigando cerca de 300 empresários mineiros “democratas” a soltar outro manifesto defendendo a “harmonia entre os poderes”. A FIESP (Federação das Indústrias de São Paulo) e a FEBRABAN (Federação Brasileira dos Bancos), as duas mais poderosas organizações empresariais do país, se debateram por semanas para publicar um manifesto pífio de três parágrafos com o mesmo teor apaziguador. Após Bolsonaro ordenar que a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil se retirassem da FEBRABAN, caso o manifesto fosse assinado, os “democráticos” banqueiros e industriais paulistanos prontamente recuaram. O estado de espírito destes senhores do capital foi expresso num artigo publicado em 13/9 pelo presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco, cujo título é “A melhor solução é a paz”: “soluções duradouras se assentam nos pilares da democracia, da humildade e da paz” [https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,a-melhor-solucao-e-a-paz,70003838188]. Paz entre os poderes da república, paz entre as classes sociais. Traduzindo isso na linguagem da luta de classes, a burguesia necessita apaziguar os ânimos exaltados das classes subalternas em meio ao aumento da miséria, da fome, da doença, da violência e da morte trazidos pela agonia do seu sistema de exploração.

Neste sentido, a burguesia “democrática” e de “oposição” a Bolsonaro desenvolve duas políticas: com a mão direita tenta apaziguar as massas pequeno burguesas raivosas dirigidas por Bolsonaro, buscando uma trégua com ele até as eleições de outubro do ano que vem. Para isso, foi resgatado das sombras o indestrutível Michel Temer, que selou um acordo entre seu apadrinhado, o ministro do STF Alexandre de Moraes, e Bolsonaro: Bolsonaro assinou uma carta com declarações genéricas de boas intenções democráticas, e recebeu em troca o engavetamento do inquérito das “rachadinhas”, no qual está envolvida toda a famiglia do “mito”. E, para tentar apaziguar as massas do proletariado e do povo oprimido, os burgueses “democráticos” estendem sua mão esquerda, novamente, ao único homem no país que pode tentar lhes garantir a “democracia, a humildade e a paz”: Luís Inácio Lula da Silva e sua “frente ampla”. A burguesia negocia o futuro do seu regime político e de seu sistema econômico-social, tornando realidade o prognóstico de Trotsky: “As “frentes populares”, por um lado, e o fascismo, por outro, são os últimos recursos políticos do imperialismo na luta contra a Revolução Proletária”. (Programa de Transição, ponto II). Este dilema da burguesia e do imperialismo vai marcar a luta de classes no país nos próximos anos. A realidade tem nos dado razão em nosso prognóstico, formulado em julho do ano passado:

Já analisamos anteriormente que as frações dominantes da burguesia, devido à crise de seus principais partidos e lideranças políticas, acabaram por aceitar a ascensão de Bolsonaro à presidência como um “mal menor” diante da possibilidade de volta do PT e da frente popular ao poder nas eleições de 2018. Todavia, esta política arriscada do “mal menor” está longe de evitar o “mal maior”, ou seja, o acirramento da luta de classes e a abertura de uma crise revolucionária no país, o avanço do enfrentamento entre a revolução e a contrarrevolução que ameaça levar o país em direção ao bonapartismo e à guerra civil.

A burguesia caminha no fio da navalha. É obrigada a se posicionar contra os flagrantes ataques, desafios e provocações de Bolsonaro e dos bolsonaristas às leis e instituições da democracia burguesa. Mas, todo o estardalhaço da mídia burguesa e as ações midiáticas do STF, aos moldes da “Lava Jato” (a exemplo do inquérito das “Fake News” e da prisão espetaculosa de Fabrício Queiróz), cujo tom mais alto são as ameaças de “impeachment”, visam apenas colocar um freio na escalada do bolsonarismo. O que as principais lideranças burguesas temem, sobretudo, é que o agravamento da crise política, em meio a uma crise econômica e sanitária sem precedentes, abra uma crise revolucionária no país, por isso clamam pela pacificação política nacional. A principal política destes setores é de formação de uma “frente ampla em defesa da democracia”, que inclua todos os partidos da ordem democrática, do PSOL ao DEM, de Boulos a Rodrigo Maia, passando pelo PT de Lula e quiçá pelo mais novo “militante” antibolsonarista, o ex-juiz e ex-ministro Sérgio Moro. Uma frente política que una os setores democráticos da burguesia e da classe média e os setores aristocráticos da classe trabalhadora. Buscam, com esta política, paralisar as lutas do proletariado, para tentar apaziguar os ímpetos bonapartistas de Bolsonaro e “cozinhar a crise em fogo brando” até as eleições de 2022. Para isso, contam com a colaboração das principais direções reconhecidas da classe trabalhadora, Lula, PT, PCdoB, burocracia sindical, e com a capitulação da “esquerda alternativa” de Boulos, PSOL, PCB, UP, etc.  

Porém, não é esta a política de Bolsonaro, que tem como estratégia consolidar sua influência sobre os setores da população que o apoiam como o “salvador da pátria”, mobilizando nas mídias e nas ruas seus seguidores e incentivando a organização dos grupos reacionários e fascistas que defendem abertamente uma “intervenção militar com Bolsonaro”. A sua postura intransigente contra as medidas de isolamento social tem como objetivo angariar apoio nos setores da pequena burguesia, assim como de setores mais atrasados do proletariado e do semiproletariado mais atingidos pela paralisação das atividades econômicas. Ao mesmo tempo, mantém sua política de adulação patriótica e de concessões às Forças Armadas e Polícias Militares, seu principal bastião social e político.

[Imagem: Bolsonaro discursa para milhares de apoiadores na Avenida Paulista, em 7 de setembro de 2021;  Crédito: Isac Nóbrega/PR]

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