Atos no dia da Consciência Negra mostram o caminho para enfrentar o racismo no Brasil

Na véspera do dia 20 de Novembro, data que faz referência a morte de Zumbi dos Palmares, liderança quilombola contra a escravidão colonialista e em que se celebra a luta dos negros, negras e quilombolas no Brasil (Dia da Consciência Negra), assistimos o brutal assassinato de João Alberto Silveira Freitas (ou Nego Beto, como era conhecido), homem negro de 40 anos, espancado e asfixiado até a morte por um segurança e um policial militar que estava fora de serviço, ambos brancos, em uma das redes da multinacional francesa Carrefour, em Porto Alegre.

O Carrefour, que ajudou a eleger Bolsonaro através de um de seus acionistas, Abílio Diniz, é notoriamente conhecido por práticas racistas e de desrespeito aos direitos humanos e trabalhistas. Em 2009, seguranças da rede agrediram o vigia Januário Alves de Santana, de 39 anos, ao lado de seu próprio carro no estacionamento de uma das lojas em Osasco/SP. Em 2017, funcionários do Carrefour que reivindicavam benefício de remuneração por horas trabalhadas em feriados foram demitidos retaliação sob alegação de “corte de gastos”. Em 2018, Manchinha, um cão abandonado que ficava nos arredores de uma das unidades da rede em Osasco, morreu envenado e espancado por um dos funcionários da loja. Também em 2018, outro caso de racismo na rede chocou pela brutalidade, quando Luís Carlos Gomes foi agredido por funcionários por abrir uma lata de cerveja no interior da loja, mesmo alegando que pagaria por ela. Em 2019, a Justiça do Trabalho de São Paulo concedeu uma liminar ao Sindicato dos Comerciários de Osasco e Região após denúncias de funcionários que estavam tendo suas idas ao banheiro controladas pela chefia.

Recentemente, um vendedor que prestava serviços da empresa Coco do Vale na rede morreu enquanto trabalhava. Moisés Santos, de 53 anos, teve seu corpo escondido por guarda-sóis, enquanto o supermercado manteve-se aberto ao público normalmente, sem nenhum respeito para com a dignidade humana, pensando apenas no seu lucro. Outra funcionária da rede, Nataly Ventura da Silva, sofreu racismo e foi demitida após denunciar o caso, sob alegação de conflito com outros funcionários. O homem que proferiu as ofensas racistas contra a funcionária através de mensagens que deixou em seu avental de trabalho que dizia “só para brancos” só foi desligado da Rede após inquérito aberto no Ministério Público.

O assassinato de Nego Beto no dia 19 se assemelha ao caso de George Floyd nos Estados Unidos e se soma a diversos casos de racismo e discriminação, que também ocorrem em outras redes milionárias e também em fábricas com os operários e operárias. Quatro anos atrás, o menino negro João Victor, de 13 anos, morreu ao ser espancado por seguranças do Habibs, na região do Vila Nova Cachoeirinha, zona norte de São Paulo. Em 2019, o operário da Cinpal, em Taboão da Serra, seu Victor cometeu suicídio dentro da fábrica. A patronal, neste caso, rapidamente fez o corpo dele ser despachado para que não houvesse perícia policial, numa explícita tentativa de ocultar a relação de depressão do funcionário com sua situação no local de trabalho. Em Itapuã, Salvador, um jovem estudante gay, a poucos meses atrás, foi constrangido e proibido de entrar em uma loja da rede Walmart por estar usando um short curto. O ativismo LGBTTQIA+, em protesto, realizou uma ação de repúdio que ficou conhecida como “Ocupação do Shortinho “.

Estes casos de racismo, discriminação, perseguição e opressão contra trabalhadores e trabalhadoras, a exemplo da luta travada pelo movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam) nos Estados Unidos, só potencializou a revolta que se iniciou ontem contra o assassinato de Nego Beto. Os casos de racismo tem se tornado cada vez mais frequentes. A violência policial só aumentou no país. A cada 23 minutos um jovem negro é morto no Brasil. A pandemia e a crise econômica tem afetado, sobretudo, pretos e pobres das periferias, que recebem salários mais baixos e são a maioria da nossa classe enfrentando as mazelas do desemprego e da informalidade.

As milhares de pessoas que saíram às ruas ontem, dia da Consciência Negra, para protestar em repúdio ao genocídio negro e as práticas racistas da burguesia e seus governos, como revela a fala do General Mourão ao dizer que “não existe racismo no Brasil”, demonstra a necessidade de colocar a luta antirracista no centro do debate nacional das organizações de esquerda e revolucionárias. A revolução brasileira só pode ocorrer sob esta perspectiva de raça e classe.

As marchas e atos chamados pelas redes sociais em diversas capitais do país ontem e hoje colocam também a necessidade de radicalizar a luta, resgastando inclusive os métodos da ação direta dos trabalhadores e trabalhadoras e do povo pobre e oprimido. Mesmo com a pandemia,  a mobilização de milhares nas ruas se faz urgente, visto que a burguesia tem obrigado nossa classe a resistir e a lutar, se aproveitando da pandemia para aprofundar seus ataques aos diretos trabalhistas e sociais. Os operários e operárias da Renault em sua greve de 21 dias contra 747 demissões e os funcionários dos Correios com sua greve de 30 dias contra o ataque a mais de 70 cláusulas do acordo coletivo da categoria já haviam demonstrado este caminho. Nesta semana, profissionais da educação do Paraná ocuparam a Alep (Assembleia Legislativa do Paraná) e iniciaram greve de fome contra a precarização dos profissionais PSS (contratos temporários) e contra a medida que quer impor uma prova para os contratos dos professores e professoras, o que pode deixar milhares de profissionais da educação sem emprego em 2021.

A tudo isso é que se soma a luta antirracista e também a revolta do povo do Amapá contra o apagão que já afeta a população pobre a trabalhadora e diversos quilombos e tribos indígenas há 19 dias.

É necessário, portanto, que as centrais sindicais, partidos que falam em nome da classe trabalhadora (PT, PCdoB, PSOL, PSTU, PCB, UP, PCO, POR) e movimentos sociais e de luta antiopressões rompam com imobilismo, o cretinismo eleitoreiro e organizem e chamem à luta unificada da nossa classe.

A Marcha da Consciência Negra em São Paulo, demonstrou a disposição, sobretudo da juventude negra e periférica, de lutar contra os racistas. Por issi achamos justa a indignação e revolta dos mais explorados e oprimidos. Cada pedra jogada contra as vidraças do Carrefour estão justificadas do ponto de vista da luta contra o racismo e do classismo. Por isso, achamos que foi errada a posição das direções das Marchas de tentar impedir a radicalização dos protestos ocorridos em São Paulo e Porto Alegre. Se os reformistas são contra tais ações, pois estão preocupados somente com as eleições, que não atrapalhem aqueles e aquelas que querem lutar.

Nós do GOI estivemos presentes ontem na Marcha da Consciência Negra de São Paulo e chamamos a que as organizações que se apresentam como alternativa ao reformismo (MRT, POR, PSTU e correntes do PSOL) que apoiem a ação direta dos manifestantes, construindo nas lutas uma direção verdadeiramente revolucionária para enfrentar o racismo da burguesia e de suas instituições no Brasil.

Por fim, queremos nos solidarizar com os familiares e amigos de Nego Beto e todos aqueles e aquelas que sentiram a dor da perda da vida de um trabalhador. Que a luta por justiça nos fortaleça para seguirmos enfrentando o racismo e toda forma de opressão e exploração contra o povo preto, as mulheres, LGBTTQIA+, imigrantes, povos originários e quilombolas e toda a classe trabalhadora.

Por uma nova Palmares do povo negro trabalhador e periférico! Da juventude, das mulheres, LGBTTQIA+ de luta! E de toda a classe trabalhadora!

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