…Mas sua força foi desperdiçada pela política burocrática e conciliadora das direções.
A greve da Renault, que durou 21 dias, foi a principal e mais importante luta da classe trabalhadora no Brasil na atual conjuntura e uma das mais importantes da classe operária nos últimos anos. Por isso, queremos utilizar este texto para expressar a opinião do GOI sobre as lições que devemos tirar desta luta para enfrentar os ataques que estão sendo feitos aos empregos, salários e direitos da classe trabalhadora pelos governos e patrões, intensificados durante a pandemia de Covid-19 e que dão o tom dos processos de lutas que iremos enfrentar no próximo período de agudização da crise econômica capitalista.
1) Qual o conteúdo do acordo firmado pelo sindicato com a direção da Renault?
A reintegração dos 747 operários e operárias, demitidos de forma sumária e arbitrária no dia 21/7 pela Renault, está submetida a um acordo que os colocará em Lay Off e os substituirá por aqueles e aquelas que aderirem ao PDV (Plano de Demissão Voluntária), proposta que já estava incluída inicialmente no pacote de maldades da Renault e que segue sendo aplicada pela patronal, agora com o aval do sindicato e da Justiça.
O PDV nada mais é do que a política na qual os patrões buscam negociar junto à Justiça e os representantes legais dos operários e operárias (sindicatos) uma forma de demitir em massa, num processo que visa parecer “democrático”. É lucrativo para os capitalistas demitir desta forma para contratar lá na frente com salários reduzidos, assim como para implementar seus planos de automação da produção com redução da força de trabalho. Esta tem sido uma medida adotada por diversas empresas, com consequências danosas aos direitos dos trabalhadores, principalmente após a Reforma Trabalhista, aprovada no governo Temer e aplicada agora de forma mais intensa no governo Bolsonaro.
Além do PDV, a empresa impôs um novo acordo coletivo para vigorar nos próximos quatro anos com importantes reduções de salário e direitos: redução em 20% no salário base para novas contratações; congelamento dos salários neste ano e no próximo, e apenas a reposição da INPC em 2022; redução de R$ 1000,00 na PLR (Participação dos Lucros e Resultados) deste ano. Os 21 dias de greve serão descontados um a cada mês.
2) A greve obrigou a Justiça burguesa a se pronunciar:
Logo após o anúncio das demissões pela Renault, os operários e operárias aprovaram em assembleia histórica da categoria a greve por tempo indeterminado até que a empresa voltasse à mesa de negociação. A solidariedade com os demitidos e demitidas, que representam 10% dos trabalhadores e trabalhadoras do chão de fábrica, foi um importante exemplo dos operários e operárias da Renault ao conjunto da classe trabalhadora para mostrar o caminho que devemos seguir diante dos ataques da patronal, e para mostrar quem realmente produz as riquezas na sociedade. Caso não houvesse a greve, as demissões teriam ocorrido de forma sumária e abririam a possibilidade para a empresa fazer mais demissões deste tipo no futuro.
A greve na Renault, mesmo sofrendo um boicote da mídia burguesa, obrigou a Assembleia Legislativa do Paraná e o próprio governo de Ratinho Junior, aliado de Bolsonaro no Paraná, a se pronunciarem sobre as demissões e a realizarem reuniões e audiências públicas com o sindicato, visto que a Renault, somente nos últimos 20 anos, recebeu mais de 20 bilhões de reais em isenções ficais, através da Lei 15.426/2007, e teve a maior parte da infraestrutura da moderna fábrica de São José dos Pinhais entregue de mão beijada pelos governos do Paraná. Em contrapartida, a Renault deveria manter os empregos, mesmo em períodos de crise.
Outra importante contradição gerada pela greve foi em relação à superestrutura da Justiça burguesa, que precisou intermediar as negociações, tendo em visto que as demissões feitas pela Renault rompiam e desconheciam o TAC (Termo de Ajuste de Conduta), firmado entre a empresa e o MPT (Ministério Público do Trabalho). O parecer da Juíza Sandra Mara, no dia 05/8, após 15 dias de greve, obrigando a empresa a readmitir os 747 operários e operárias, sob pena de multa diária de R$ 100.000,00, foi um movimento de autopreservação da justiça burguesa e uma tentativa de se moralizar diante da atitude unilateral adotada pela Renault, ao mesmo tempo em que buscava se mostrar como uma instituição que atua “ao lado dos operários e operárias”. Nada mais falso, pois a decisão da juíza teve como único intuito obrigar a Renault a negociar um acordo para que os demitidos e demitidas fossem indenizados num processo junto ao sindicato mediado pela Justiça.
3) A greve impôs um recuo tático da Renault:
A Renault do Brasil anunciou que houve uma queda de 47% da produção durante a pandemia, e que seria necessário readequar a produção para competir no mercado, por isso precisava realizar as demissões.
O que ela não revela é que nos últimos anos foi uma das montadoras que mais faturou e lucrou com o suor e a exploração dos operários e operárias do Brasil. Em janeiro de 2020, os dados fornecidos pela própria diretoria da montadora mostram que o volume de vendas aumentou em 11,3% em 2019 e a participação no mercado atingiu um nível recorde de 9%. No Brasil, a Renault subiu duas posições no ranking das montadoras, assumindo o 4º lugar entre as grandes marcas.
Como se vê, a Renault do Brasil não é uma empresa que está quebrando, mas veio expandindo seus negócios e sua produção, não somente no Brasil, mas em outros países, e agora busca descarregar a crise nas costas da classe operária, os grandes responsáveis pelos seus lucros. Assim como o conjunto da burguesia que se utiliza do momento ímpar da pandemia para aplicar um verdadeiro golpe aos direitos da classe trabalhadora.
A força da greve obrigou a Renault a recuar de sua política de demissão sumária dos 747 operários e operárias, neutralizando a intenção de degola da patronal de forma nua e crua. Contudo, a Renault não abriu mão de seu plano de demissões e cortes de salários e direitos. Fez um recuo tático para seguir com seu plano de demissões através do PDV e obteve um significativo avanço nos seus planos de corte de salários e direitos com o acordo que foi firmado pelo sindicato com mediação da Justiça.
4) A greve poderia ter conquistado a reintegração completa dos demitidos e impulsionado uma mobilização geral da classe operária metalúrgica. Mas, estas possibilidades foram desperdiçadas pela política imobilista e burocrática das direções do movimento.
Se é verdade que a Justiça interveio no processo para mascarar as demissões com um ar “democrático”, isso só foi possível pelo papel cumprido pela direção do sindicato, que atuou como apêndice da patronal no interior do movimento. A confiança cega nas instituições da Justiça burguesa, no parlamento e no próprio governo de Ratinho Junior, criando ilusões na classe operária de que estes representantes dos patrões são seus aliados, buscou possibilitar que fosse firmado um acordo de cúpula que contemplasse, sobretudo, os interesses da Renault, que, como já dissemos anteriormente, não só mantém seu plano de demissões através do PDV, como avança na precarização das condições de trabalho na empresa.
Ao não buscar ampliar a greve na sua própria base metalúrgica, a direção do Sindicato dos Metalúrgicos da Grande Curitiba, mantendo um freio sobre o movimento, abriu margem de manobras para a patronal não só da Renault, mas de outras montadoras e autopeças seguirem com seus planos de demissão e cortes de salários e direitos. Afinal, a crise está instaurada, e diversas bases metalúrgicas no Paraná e no restante do Brasil estão enfrentando o facão nos salários, direitos e empregos.
O controle exercido pela burocracia da Força Sindical sobre a base dos metalúrgicos, em especial na greve da Renault, impediu a auto-organização da categoria e o avanço da luta. Para se preservar no controle do aparato e impor um rumo conciliador à luta, a direção do sindicato se apoia no fato de que os metalúrgicos das montadoras, um dos setores da classe operária melhor remunerados e com melhores contratos de trabalho, possuem ainda uma concepção conciliadora dos processos de luta.
As diversas falas do presidente do sindicato, Sergio Butka, nas assembleias da categoria, alegando a necessidade de buscar um acordo que conciliasse os interesses do capital (lucro) com os da classe trabalhadora (defesa dos empregos), e seus elogios saudosos à época dos governos de Lula como um modelo de convivência pacífica entre patrões e empregados, mostram a concepção reformista e burocrática da direção do movimento sobre os objetivos da luta, impedindo seu avanço, sob a falsa premissa da conciliação de classes e com um controle de cima para baixo.
Esta política da direção do sindicato ocorreu com o aval das demais centrais sindicais (CUT, CTB, CSP-Conlutas, Intersindical, etc.) e organizações do movimento operário e da classe trabalhadora, que prestaram um apoio protocolar, formal e burocrático à greve da Renault e não moveram suas bases para se solidarizar com o movimento e ampliar a luta em defesa dos empregos, salários e direitos. O ápice desta política das direções foi o ato do dia 07/8, chamado como um “grande dia de luta unificado”, que se quer teve como eixo a solidariedade aos grevistas da Renault, mas um abstrato e inexpressivo “Fora Bolsonaro”, deslocado do processo vivo da luta de classes no país.
Ao não aproveitarem o potencial da greve da Renault para impulsionar uma luta unificada das categorias, sobretudo a classe operária metalúrgica, as centrais, preocupadas sobretudo em manter seus currais sindicais, novamente desperdiçaram a força de mobilização e de luta da classe operária para enfrentar a política de demissões e cortes de salários e direitos que está assolando os metalúrgicos e o conjunto da classe trabalhadora.
5) E agora, o que fazer?
Os 21 dias de greve dos operários e operárias nos mostraram o caminho para enfrentar as demissões em massa promovidas pelos patrões, com o apoio dos governos, parlamentos e da Justiça.
A força da greve na Renault possibilitou aos operários e operárias negociar os termos das demissões que a empresa irá fazer através do PDV, mas ao custo de perdas consideráveis de salários e direitos.
Ao invés da política conciliadora e burocrática aplicada pelas direções, que limitou o alcance e a força da greve, era possível lutar por uma política classista e de luta, apoiada na auto-organização dos operários e operárias, que aproveitasse ao máximo o potencial da greve para obter melhores resultados para os operários e operárias da Renault e para alavancar a mobilização do conjunto da classe operária metalúrgica. Com este objetivo, o GOI apresentou às centrais uma Carta Aberta com propostas de organização da luta, que visava disputar a direção da luta com a burocracia sindical e apontar a construção e organização da luta pela base, construindo a solidariedade ativa dos demais operários e operárias e do conjunto da classe trabalhadora nos outros locais de trabalho.
Infelizmente, a CSP-Conlutas e a Intersindical, centrais que se apresentam como alternativas à burocracia da Força Sindical, CUT e CTB, e que dispõem de um poder efetivo de mobilização, se contentaram em manter um apoio protocolar à greve e, desta forma, ajudaram a burocracia do Sindicato de Curitiba a desmontar a greve sob os auspícios da Justiça.
Mas, o processo de luta na Renault não se encerra aqui. Não está descartada a possibilidade de mais demissões, sobretudo se o PDV proposto pela Renault não chegar aos números que a patronal almeja. Por isso, é necessário manter a mobilização e a organização dos trabalhadores e trabalhadoras no chão de fábrica.
Neste sentido, chamamos aos operários e operárias a não aceitar o PDV como solução. Não confiar na direção burocrática do sindicato, que se cala em relação a estes operários e operárias que serão obrigados a se demitir por este método. Não depositar suas esperanças na justiça, parlamento e governos burgueses. Seguir confiando na força da luta e mobilização da categoria.
O GOI tem convicção de que o exemplo de luta dos operários da Renault influenciou o conjunto da classe trabalhadora consciente, apesar dos limites impostos à luta pelas direções sindicais burocráticas e conciliadoras e pela capitulação dos “revolucionários em palavras” da CSP-Conlutas/PSTU e da Intersindical/PSOL.
O GOI, nos limites de nossas forças, realizou uma campanha de solidariedade à greve, e apresentamos propostas sinceras para o fortalecimento da luta, e nos mantemos ao lado dos operários e operárias da Renault na luta que continua.
[IMAGEM: Assembleia que aprovou o acordo do sindicato com a Renault]
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