Por Sandra Fortes
Conheci Dom Pedro Casaldáliga pessoalmente em 1981, numa palestra inesquecível pra mim, que ele fez na Baixada Fluminense, Rio de Janeiro. Ano em que eu estava rompendo com a igreja Católica e com Deus (me tornei ateia, marxista). Eu tinha 17 anos.
Dois fatos marcaram este dia. Primeiro, fui impedida de entrar no Centro de Formação de Líderes da Igreja Católica (em Moquetá, Nova Iguaçu, Diocese dirigida por Dom Adriano Hipólito), onde ocorreu a palestra. O impedimento deveu-se ao fato de eu estar usando uma saia (azul, feita pra mim por minha mãe) “muito curta”, segundo uma das responsáveis pela organização do evento, que me barrou na entrada.
Voltar pra casa? Impossível! Morava longe do local e não daria tempo de participar de tão esperado evento, num dia quente de verão, em pleno final da ditadura militar, em que periodicamente participávamos de palestras/debates com perseguid@s e anistiad@s pela ditadura e outras personalidades, dentre elas Herbert de Souza (Betinho), Dom Adriano Hipólito, Desmond Tutu, Ana Maria (companheira de Santo Dias, operário assassinado pela polícia na greve metalúrgica em São Paulo de 1979) e outr@s.
Eu estava com Tereza, minha amiga. Estudávamos juntas no Instituto de Educação Rangel Pestana, último ano do Magistério, e soubemos da palestra com Dom Pedro Casaldáliga também pel@s professor@s, que nos convidaram. Diante do veredito de eu não poder entrar com “aquela saia”, fizemos um escândalo e pedimos para chamar noss@s professor@s, Sada, Maria, Paulo, Luís Fernando, que já haviam chegado. Est@s vieram e ajudaram na longa negociação, dificultada pelo desaforo que fiz quando a Senhora (Veridiana, se não me engano) pediu-me para “puxar a saia para baixo que estava muito curta” e que eu não entraria no auditório com aquela “roupa indecente, por ser ali um ambiente religioso”. Respondi que minha saia não era de borracha e, se puxada, seguiria do mesmo tamanho. Depois de muita conversa e apelos, me foi autorizada a entrada e a recomendação desta senhora de “não ficar desfilando lá dentro”.
O segundo fato marcante foi, como não poderia ser diferente, Dom Pedro Casaldáliga. Que figura impressionante! Objetivo, corajoso… contando casos da luta pela reforma agrária, destilando seu ódio de classe à burguesia latifundiária.
A certa altura dos relatos, disse que uma das maiores injustiças cometidas na língua brasileira era se referir às pessoas que não prestavam, a quem odiamos, como “filhos e filhas da puta”. Segundo Dom Pedro, nossas irmãs, vítimas de um sistema econômico e social injusto e machista, desprezadas e discriminadas, são responsabilizadas por tudo que de pior existe. É atribuída a elas a maternidade (sem pai, lógico) de todos que não prestam na opinião do senso comum. Quando, na realidade, o que existe de pior é a ganância da classe de parasitas, proprietários de terra, industriais, banqueiros. Portanto, disse ele, quando quisermos classificar alguém como vil, devemos chamá-l@s de “filhos e filhas de latifundiários”.
Como a posição de Dom Pedro me fez refletir! Sobre o capitalismo, o machismo, a luta de classes, os palavrões, o tamanho das saias que decidimos usar ou não, sobre a luta que temos que travar contra a exploração e a opressão.
Terminei por me desligar mesmo da Igreja Católica. Mas este é um dos aprendizados que trouxe para a vida. Sempre me refiro a esta fala de Dom Pedro Casaldáliga nos debates que fazemos sobre a opressão da mulher trabalhadora na sociedade.
Recentemente (2018), na Argentina, o Sindicato das Profissionais do Sexo exibiu camisetas e cartazes luminosos com os seguintes dizeres: “Las putas insistimos, Maurício Macri no es nuestro hijo!” O mesmo pode ser dito por prostitutas do mundo inteiro: “Bolsonaro, Trump, Netanyahu, Putin, Macron, Jeanine Áñez, etc., e @s burgues@s que representam, não são noss@s filh@s!”
As prostitutas enfrentam, assim como as demais mulheres da classe trabalhadora, a opressão e a exploração da burguesia. Portanto, devem ser parte da luta contra latifundiários, empresários e banqueiros que sugam as energias, as riquezas, o sangue e as vidas da classe trabalhadora. Luta que deve ter como objetivo a construção de uma sociedade sem exploração, sem opressão, de respeito aos direitos e diferenças, a Sociedade Socialista.
Dom Pedro Casaldáliga, Presente!