
Recebemos a denúncia anônima de que, em plena pandemia de Coronavírus, a empresa Neon Pagamentos, do setor bancário e de tecnologia, centrada em São Paulo, demitiu aproximadamente 300* funcionários somente esta semana. Reproduzimos, na íntegra, a carta anônima que nos foi enviada sobre o ocorrido:
“Escrevo estas linhas, pois temo pelos meus colegas, meus familiares, amig@s, pela minha quebrada e por todos aqueles e aquelas que se sacrificam diariamente para ter seu sustento. Temo, sobretudo, pois muitos dos nossos irmãos e irmãs ainda não enxergaram o tsunami que vem pela frente.
As últimas 24 horas foram bastante apreensivas em nosso local de trabalho. Desde o final do dia de ontem estamos recebendo e lendo relatos de colegas se despedindo de outros através das redes sociais, em sua maioria preocupados como seguirão em frente, contando com a sorte, com a solidariedade dos que estão passando pela mesma situação ou até com uma suposta graça divina, pois foram “desligados” pela empresa. O motivo que lhes foi dado não poderia ser outro num momento como este: o famoso “corte de gastos”.
A crise sanitária que assola o mundo é hoje apenas o prelúdio de uma crise econômica ainda mais injusta e brutal. A realidade que nos atinge escancara lentamente a sangria de um sistema cujo único propósito e interesse é a exploração e a opressão da nossa força de trabalho para que uma minoria parasita possa manter seus lucros e sua dominação de classe. Por isso, milhares e milhares de trabalhadores e trabalhadoras estão sendo demitid@s mundo afora, como ocorreu ontem com nossos colegas.
É assim que tudo funciona no capitalismo. Não tenhamos ilusões, meus amigos e minhas amigas! Somos apenas números para eles!
Até ontem nos enchiam de falsas promessas para nos ver cumprindo nosso papel e nosso trabalho de acordo com seus ditames, nos fazendo crer em seu slogan de empresa “divertida e responsável”. Mas hoje vemos sua verdadeira face e a sua ganância de classe frente a um momento muito difícil para todo o planeta.
Quem está a mais tempo trabalhando na Neon, sabe do que eu estou falando. Eles nos dizem que somos pequenos e não temos recursos. Mas vocês acreditam mesmo que uma empresa de tecnologia do setor bancário que tem como parceira uma das 10 instituições financeiras mais lucrativas do Brasil, que é o Banco Votorantim, não teria condições de manter seu quadro de funcionários em plena pandemia?
Nosso home office não foi fruto da benevolência dos nossos chefes. Foi uma demanda nossa, pois sabíamos dos riscos que estaríamos submetidos naquele escritório fechado com mais de 300 atendentes trabalhando em contato direto um do lado do outro. Dessa vez eles se precaveram, pois colocar todos nós em risco seria irresponsabilidade e pegaria mal diante da concorrência e da influência das redes sociais, sobretudo por se tratar de uma empresa que tem as condições de instrumentalizar isso.
Outra fato importante, agora em tempos que nos falam sobre “corte de gastos”, é que nossa empresa recebeu um aporte de 400 milhões dos investidores só numa rodada de investimentos no ano passado. Além disso, ganhou diversos prêmios de “fintechs para se trabalhar”, pois seria o negócio do momento. Fizeram até merchan em rede nacional, nos principais canais de TV. Contrataram, inclusive, o Whindersson Nunes, famoso youtuber e comediante para ser estrela da marca nas redes sociais (cujo cachê não deve ser nenhum pouco barato!) e continuam fazendo campanhas de marketing milionárias para conquistar mais e mais clientes.
Como pode, então, não ter recursos? Vão falar que é estratégia de mercado e etc. Que seja! Mas se eles dizem que faltam recursos para manter o quadro de funcionários, que se abram os livros de contabilidade então!
Não nos esqueçamos de que, no ano passado, após a mudança de gestão e questionamentos feitos por muitos dos nossos colegas sobre o tratamento dado aos funcionários e funcionárias com relação a mudanças bruscas de horário, muitos começaram a ser demitidos por “comportamento”. Inúmeros deles saíram fazendo denúncias sérias e importantes contra a empresa. Se lembram do poema-denúncia abaixo, escrito pelo B., que viralizou entre nós?


Além disso, creio que não tenha um de nós que estamos no chão da empresa, resolvendo os B.Os que surgem todos os dias, que já não tenha tido algum problema relacionado a pagamento incorreto de banco de horas e horas extras. É sempre uma frustração, todo fim de mês, quando uma novidade diferente aparece no holerite. Infelizmente, nossa categoria não é organizada, nem sequer possui um sindicato de luta (o SINDPD é um sindicato patronal dirigido pela burocracia da CSB) que possa defender nossos interesses e travar a resistência necessária para reverter às demissões que ocorreram esta semana e que, sem dúvida, irão ocorrer futuramente.
Resta, então, tirarmos as lições deste momento doloroso que nossos colegas, amigos e seus familiares irão passar. Deixemos a individualidade de lado e passemos a nos olhar como categoria e coletivo. Em meio a uma pandemia que trás riscos à nossa saúde e atinge, sobretudo, quem precisa vender sua força de trabalho para conseguir pagar o aluguel, ter onde morar, usar transporte público, dar condições mínimas a seus filhos e filhas, sobreviver numa cidade grande como São Paulo, o pão da mesa de alguns dos nossos foi tirado para que os lucros dos investidores da empresa em que trabalhamos fossem mantidos.
A conta da crise foi jogada em nossas costas. E não apenas das dos que se foram, mas também na de nós que ficamos, pois teremos agora de trabalhar em dobro para suprir a demanda e as metas nada transparentes que eles nos impõem. Essa é a realidade.
Acredito que, neste momento, devemos transformar nossa indignação, tristeza, raiva e solidariedade com os que se foram em lutas. Pois elas já estão ocorrendo em outras categorias e irão se tornar mais frequentes. É assim que a classe trabalhadora conquista ou mantém direitos no capitalismo. Temos de defender nossos empregos! O momento para nos prepararmos é agora! Enquanto não tomarmos consciência disto, continuaremos recebendo apenas as migalhas dos que sentam sobre nós para que nos mantenham subordinados e com medo de lutar!”
São Paulo, 08 de Abril de 2020.
*atualizamos os dados do número de demitidos