Esquerda ou direita? Estes termos são os mais utilizados para definir os governos. Todavia, na análise marxista, o que define os governos é seu caráter de classe, quer dizer, qual classe social está governando.
Na sociedade capitalista a burguesia (patrões, capitalistas) detém o poder econômico, é proprietária do capital, das empresas e terras, dos quais extrai lucros explorando a força de trabalho do proletariado (a classe trabalhadora). Para manter a exploração econômica, a burguesia precisa ter em suas mãos o poder político, o estado, o governo. Faz isso através da política e da força.
A política burguesa é a arte de enganar as pessoas através do voto, da ideologia de que através das eleições o povo governa. Mas, isto não passa de ilusão, pois quem financia as campanhas milionárias, controla a mídia e os “currais eleitorais” de compra e venda de votos são políticos e “cabos eleitorais” pagos pela burguesia, que manipulam os eleitores para facilitar a eleição de seus partidos e candidatos. Passadas as eleições, a burguesia exige que o povo se submeta passivamente ao governo eleito, e se acaso não estiver satisfeito, que espere até às próximas eleições. Se o povo resolve desacatar as medidas dos governantes é reprimido pelas forças militares, sempre a postos para garantir a “lei e a ordem”. Este regime político definimos como “democracia burguesa” ou “democracia dos ricos”.
Mas, nem sempre as coisas funcionam dentro deste “script” traçado pelos poderosos. A exploração e a opressão obrigam o povo trabalhador a lutar permanentemente fazendo greves, manifestações e revoltas nas quebradas e favelas. Há momentos em que a luta do povo explode de forma incontrolada e espontânea, como nas Jornadas de Junho de 2013, no Brasil, e agora no Chile, quando as massas exigem mudanças já, através da ação direta nas ruas, greves gerais e insurreições. Por isso, estas rebeliões populares abalam os alicerces da “democracia dos ricos” e do sistema capitalista.
Nestes momentos de crise, a classe dominante pede a ajuda dos partidos operários reformistas, como o PT e o PCdoB, e de líderes conciliadores, como Lula, apelando a eles para que tirem o povo das ruas e acabem com as greves, que restabeleçam a “ordem democrática” canalizando para as eleições a luta por mudanças. Ao mesmo tempo, ameaçam com o endurecimento do regime e até com a implantação de uma ditadura, caso as massas sigam rebeladas. Esta política está sendo aplicada neste momento para frear as revoltas no Chile e demais países latinoamericanos.
Esta situação de agudização da luta de classes e de crise do regime político é a base para o surgimento dos “governos de esquerda”, que na linguagem marxista denominamos de governos de frente popular ou de conciliação de classes. São formados pela coligação de partidos de base operária e popular com partidos da burguesia, a exemplo dos governos de Lula e de Dilma, da Frente Brasil Popular, que reunia os dois maiores partidos operários (PT e PCdoB), e partidos burgueses (PMDB, PL, PTB, PDT, PSB, PR, etc.). Os dois governos de Lula foram o auge da colaboração entre o capital e o trabalho, simbolizada pela dupla Lula (presidente) e José Alencar (vice), dono da Coteminas, uma das maiores indústrias têxteis do mundo. Outra característica dos governos de frente popular é que são apoiados pelas organizações do movimento operário e de massas, como foram os de Lula e Dilma, apoiados pela CUT, Força Sindical, MST, UNE, etc.
Foi a primeira vez na história do Brasil que um partido nascido das lutas do povo trabalhador, o PT, e um líder sindical e popular, Lula, governaram o país. Um período de cerca de 14 anos que foi uma exceção nos 110 anos de regime republicano no Brasil, em que governaram apenas partidos e políticos da burguesia, como Sarney (PMDB, PFL), Collor (PRN, PMDB), FHC (PSDB, PFL, PMDB) e Bolsonaro (PSL, PRTB), no período mais recente.
Os governos “de esquerda” ou de frente popular, como o de Lula/Alencar e de Dilma/Temer, apesar de serem encabeçados por partidos e lideranças operárias e se apoiarem nos sindicatos e movimentos da classe trabalhadora e do povo pobre, seguem sendo governos da burguesia, porque mantém as bases econômicas da sociedade capitalista: a propriedade privada dos meios de produção, a exploração do proletariado e a submissão ao imperialismo. Contudo, são governos burgueses diferentes porque passam a ilusão de que agora a classe trabalhadora está no poder e não precisa mais lutar por suas reivindicações, mas apenas esperar que o “governo da esquerda” resolva seus problemas pacificamente, através de negociações com a burguesia. Por isso, estes governos desmobilizam e desorganizam nossa classe, facilitando que a burguesia retome plenamente as rédeas do estado, como estamos vendo no Brasil com o governo Bolsonaro.
(artigo publicado no jornal Palavra Operária nº 5, dez/2019 – jan/2020)