Havia uma horta no meio do passeio

Por Sandra Fortes

Na saída da missa de domingo, 5 de janeiro, minha Mãe, uma Amiga e minha Sobrinha, descobriram uma horta, ao lado da igreja, no bairro residencial onde nos hospedamos em Rio das Ostras. “Descobriram” porque a fila d@s moradore@s, sob o sol, chamava a atenção para o terreno de cerca de 320m², primorosamente anunciado por uma fachada de lindas plantas e flores, cujo interior abrigava uma horta. As três retornaram para casa maravilhadas, com um maço de couve, um pé de chicória e um maço de mostarda. Frescas, macias e deliciosas.

Ontem, de manhãzinha, voltamos na horta, que eu já havia visto na terça, mas estava tarde e fechada. Entramos. Eu, que ainda não conhecia fiquei completamente maravilhada!

Quem cuida da horta é Jota. Negro, magro, tem aproximadamente 1,85 m de altura e um grave problema de audição no ouvido direito, que não lhe permite ouvir o que falamos, a menos que estejamos olhando para ele e falando do seu lado esquerdo. Aparenta ter 40 anos. Abre o portão e nos convida para entrar, conhecer a horta e escolher o que queremos levar.

Inúmeros são os pés de couve, alface, almeirão, manjericão, alecrim, cebolinha, jiló, ervilha, tomate, alface, quiabo, goiaba, amora e inúmeras flores e folhagens, no terreno.

“Posso tirar uma foto?”, perguntei. “Pode! Pode levar de lembrança, porque isso aqui vai acabar tudo.”, respondeu Jota. “Como assim, acabar?”, eu indaguei.  “Sim, a máquina vai passar aqui. Vai ser feita uma construção.”, declarou Jota.

Desta informação em diante, passamos a observar a horta maravilhosa, com pés de couve que chegam a um metro, “sentindo uma dor por dentro”, que minha mãe descreveu bem. A observação maravilhada, o registro do trabalho do Jota, foi acompanhado com inúmeras perguntas que ele respondeu revelando a sua história.

Jota chegou em Rio das Ostras, vindo de uma cidade do interior de São Paulo, há cerca de um ano. Estava na rua, não tinha onde morar, encontrou o terreno onde entrou para se abrigar e cuidar da terra que cultiva apenas com esterco, “sem venenos”, com sementes e mudas. Nunca quis o terreno para ele, pois “sabia que tinha um dono”. Queria apenas um lugar para morar, um trabalho para sobreviver e condições para cuidar do ouvido direito. Ali ficou, planta e colhe os frutos do seu trabalho, se sustenta com a horta. Faz o tratamento para audição pelo SUS.

As lindas verduras são vendidas aos maços, no valor que você pedir, um, dois, três reais…  É pedreiro, por profissão. A cachorra dócil (ou cão, pois não perguntei) é sua companhia, no cômodo onde mora e no galpão de madeira onde organiza o seu trabalho: ferramentas, caixas para a colheita, sacolinhas para a venda e um rádio que toca músicas e notícias.

Contei para o Jota que começamos uma pequena horta na escola em que eu trabalho. Ele perguntou onde é e sorriu ao ouvir o que contei.  

Compramos couve, almeirão verde, quiabo. O manjericão, a cebolinha e o alecrim, que pedimos com raiz para minha mãe plantar, foram cuidadosamente retirados por Jota, que cavou com as mãos os lindos pés destes temperos, com a raiz acompanhada da terra escura e adubada por ele.

Senti a grande satisfação dele em nos revelar sua história, mostrar os frutos do seu trabalho.  A mesma satisfação de arrancar os pés de tempero com raiz e nos entregar numa sacola, que enchemos de mudas e de esperança de que elas peguem, para continuar de alguma forma o magnífico trabalho deste homem.

“Para onde você vai Jota?”, “o dono do terreno veio ver a horta?” Ele respondeu que o dono foi no terreno, sim. Que precisa do terreno para construir. Deu a Jota uma semana para desocupá-lo e uns trocados para ele procurar uma quitinete (recebeu esta notícia nesta semana). Jota está fazendo bico como pedreiro, pretende continuar em Rio das Ostras para prosseguir o tratamento médico. Diante da nossa perplexidade e indignação com a destruição do trabalho da horta, Jota nos disse que fica triste, mas satisfeito com a venda do terreno, pois o dono é o mesmo da gráfica que faliu, há cerca de três anos, nas proximidades. O terreno da horta do Jota será parte da indenização d@s operári@s. As famílias estão passando dificuldades. “Há um operário inclusive que morreu sem receber… “

Sobre as condições do terreno há tanto tempo abandonado (provavelmente sem pagar impostos, forma de valorização para especulação imobiliária), terreno que ele cuidou e o tornou produtivo por mais de um ano, com sua horta, não perguntei. A “entrevista” durou o exato tempo da colheita do que fomos comprar.

Pagamos as verduras. Jota disse que não tinha troco e ficou agradecido quando eu disse que não precisava nos dar o troco.

Minha mãe, que nos deixou conversando com Jota, foi para a frente da horta observar as flores, que Jota generosamente nos cedeu as mudas. Uma senhora, moradora da rua, que chegou com limões para presentear Seu Jotinha (como é chamado pel@s morador@s) soube, admirada, por minha mãe, do fim da horta. Ficamos ali na frente do terreno, @s cinco conversando mais um pouco e lamentando.

Nos despedimos de Jota com um aperto de mão, um nó na garganta, a dor por dentro e o desejo de que ele siga em frente.

Eu, minha Mãe e a Amiga retornamos para casa carregando as três sacolas com almeirão, meio quilo de quiabo, os pés de tempero com terra adubada, as mudas das flores e a esperança de que Jota consiga um lugar para seguir vivendo, morando e se tratando. A esperança de que sua horta seja continuada por aquelas e aqueles que ele conheceu, que conheceram a sua história, que pegaram as mudas e sementes e seguirão plantando. Quem sabe, Jota consegue um terreno vazio, desocupado, improdutivo para seguir plantando e divulgando a importância do cultivo limpo de alimentos, sem venenos…

No caminho de volta para casa, minha mãe nos lembrou da Saudosa Maloca, de Adoniram Barbosa:

“Mato Grosso quis gritá

Mas em cima eu falei

Os homes está ‘cá razão

Nós arranja outro lugar”

Nosso “outro lugar”, neste capitalismo injusto, que explora, oprime, destrói e mata, é a Sociedade Socialista. Como a horta, feita com as mãos da classe trabalhadora, vamos controlar a Sociedade Socialista, sem exploração, sem opressão, onde o fruto do trabalho será daquelas e daqueles que trabalham e não d@s que @s exploram, sem trabalhar.

Tudo de bom que há no capitalismo é produzido e construído pela classe trabalhadora.  A burguesia parasita, que controla o capitalismo, mata, destrói, nos desumaniza.

Morte ao capitalismo! Viva a luta, o cotidiano e a solidariedade da Classe Trabalhadora!

Rio das Ostras, 10 de janeiro de 2020

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