Por Wiliam Felippe
Com este artigo damos início a uma série de textos que dedicaremos ao balanço da luta contra a “reforma” da Previdência, principal batalha da luta de classes desde a ascensão de Bolsonaro e da extrema direita ao poder. Na verdade, já iniciamos este balanço em nosso artigo “E depois do 14J? O imobilismo das direções do movimento e a iminência da aprovação da “reforma” da Previdência”, publicado na véspera da votação da “reforma” na Câmara dos Deputados. Agora buscaremos aprofundar os principais elementos contidos neste primeiro balanço.
A vitória de Bolsonaro e dos patrões na votação da “reforma” da Previdência expôs de forma crua os dois elementos determinantes da luta de classes no país. De um lado, demonstrou o empenho obstinado, a unidade de classe e a força política da burguesia em sua tarefa de demolição das leis de proteção à classe trabalhadora. De outro lado, expôs as debilidades do movimento operário e de massas para enfrentar, frear e derrotar o rolo compressor da burguesia, de Bolsonaro e do Congresso Nacional. Fragilidade que se explica não pela falta de consciência de classe e de disposição de luta dos setores mais avançados do proletariado, mas sim pela completa decadência e incapacidade de sua direção, verdadeira organizadora de derrotas.
A principal conclusão que devemos tirar destas lições é que sob esta direção é impossível vencer a ofensiva burguesa imperialista. E desta caracterização, definir a tarefa fundamental das organizações revolucionárias: construir uma nova direção para o movimento operário e de massas, classista, antiburocrática, socialista e revolucionária.
A burguesia e o governo Bolsonaro
O avanço da “reforma” da Previdência joga luz sobre as discussões acerca da correlação de forças entre as classes em luta e sobre a fragilidade ou força do governo Bolsonaro. O embate entre as caracterizações ultraesquerdistas (PSTU e seus aliados da LS, CST, MRS, TS, etc.) que realçavam a “crise” e a “fragilidade” do governo Bolsonaro, e as caracterizações das organizações reformistas (PT, PCdoB, direção do PSOL, MST, etc.) que sublinhavam a situação “reacionária” e o caráter “fascista” do novo governo, adquiriram tons bizantinos nos primeiros meses de governo. Os primeiros deduziam das pataquadas e “caneladas” de Bolsonaro, seus filhos, ministros e gurus a essência de um governo incapaz de levar à frente as “reformas” e ajustes exigidos pela burguesia e pelo imperialismo, um governo que estaria a poucos passos do desastre; os segundos, apoiando-se nas ideias e iniciativas de Bolsonaro de ataques à democracia parlamentar e aos direitos políticos, anunciavam a marcha inexorável da contrarrevolução. A realidade do embate em torno da “reforma” da Previdência demonstrou os equívocos de ambos.
A ascensão ao poder de um obscuro capitão reformado do Exército só se explica pela profunda crise do regime democrático burguês, que quase pulverizou os partidos burgueses tradicionais (PSDB, PMDB, DEM, PDT e outros) nas eleições gerais de 2018, as primeiras realizadas após a expulsão do poder do PT seus aliados burgueses da Frente Brasil Popular, seguida do impopular governo Temer. A burguesia teve que se agarrar a Bolsonaro para evitar a volta da Frente Popular ao poder, mas o governo Bolsonaro está longe de ser o governo dos sonhos das frações dominantes da burguesia. O capitão falastrão expõe de uma forma desavergonhadamente crua os verdadeiros preconceitos, interesses e planos que os capitalistas têm para aumentar a exploração e opressão do povo pobre trabalhador.
Esta crueldade estava expressa no projeto de “reforma” da Previdência de Guedes-Bolsonaro, cujos itens mais sórdidos, como os que atacavam a aposentadoria dos trabalhadores rurais e o Benefício de Prestação Continuada aos idosos, tiveram de ser amenizados pelos deputados. Era ruim para o “novo” Congresso, recém-eleito, aparecer como insensível aos setores mais vulneráveis da população. Mais que isso, era preciso cultivar a imagem de “casa do povo”, que reflete as “pressões democráticas” da sociedade, montando o cenário para que os partidos que falam em nome da classe trabalhadora (PT, PCdoB e PSOL) pudessem canalizar a insatisfação e as lutas das massas para as negociações em torno ao projeto “alternativo” do PSDB e do Centrão. Os meios burgueses contrapõem agora a imagem do “pacificador” Rodrigo Maia ao “belicoso” Bolsonaro, com a anuência da esquerda reformista. Ah! O fortalecimento do “centro”: este sonho acalentado tanto pelos setores “responsáveis” e “civilizados” da burguesia e do imperialismo, quanto pela esquerda “republicana” e “democrática”!
Quando Bolsonaro convocou as manifestações de 26 de maio e 30 de junho, em resposta ao 15M e à Greve Geral convocada para 14 de junho, a burguesia ficou preocupada com uma possível escalada de confrontos. A mobilização das massas pequeno burguesas pela ultradireita é um fato novo da luta de classes no Brasil (seguindo uma tendência mundial), pelo menos desde as “Marchas da Família com Deus pela Liberdade”, que precederam o golpe militar de 1964. Todavia, os meios burgueses respiraram aliviados quando suas pressões sobre Bolsonaro e seus aliados para que as manifestações se centrassem na defesa da “reforma” foram acatadas. A pressão controlada das hostes bolsonaristas sobre o “Centrão” de Rodrigo Maia ficou na medida para que a “reforma” não fosse “desidratada” em demasia pelos temores eleitorais dos deputados. Bastava apenas Bolsonaro “molhar a mão” dos deputados com R$ 2,5 bilhões para projetos em suas bases eleitorais para que se consumassem os votos necessários à aprovação da “reforma”.
Resumindo, a vitória da burguesia demonstrou, primeiro, que as diferentes frações burguesas (banqueiros, industriais, comerciantes, serviços, latifundiários) estão ferreamente unidas em torno das “reformas” que objetivam rebaixar qualitativamente o valor da força de trabalho, para recompor suas taxas de lucro e tornar o país mais “atrativo” aos capitais imperialistas. Segundo, que o governo Bolsonaro, para além das bolsonices do capitão e seus asseclas, é expressão das frações políticas mais antioperárias e mais decididas da reação burguesa imperialista, e mantém uma importante base de apoio de massas. Terceiro, que a burguesia utiliza as diferentes instituições do seu estado (Executivo, Legislativo, Judiciário, Forças Armadas), e manipula os múltiplos instrumentos à sua disposição (mídia burguesa, igrejas, intelectuais, etc.) para lograr seus objetivos de classe, entre eles controlar e impor limites a Bolsonaro e sua gangue (o que tem conseguido, até agora). Quarto e mais importante, que o elemento decisivo para a vitória burguesa foi a manipulação dos partidos que falam em nome da classe trabalhadora (PT, PCdoB e PSOL) e da burocracia dos sindicatos e movimentos, que se integraram ao processo de negociações da reforma no Congresso Nacional, freando a luta da classe trabalhadora pela derrubada da “reforma”.
Certamente, a batalha da “Previdência” foi uma boa escola para a burguesia aprender a domar e direcionar o seu governo de extrema direita, assim como para medir a “fidelidade republicana” da oposição parlamentar de esquerda. A questão é: o que aprenderam desta batalha as organizações da esquerda revolucionária? Este é o tema de nossos próximos artigos.
Um comentário em “As duras lições da derrota da Previdência (parte 1)”