A degeneração do PT e a crise de direção revolucionária

Como buscamos demonstrar nos textos anteriores[1], o elemento mais avançado da situação pré-revolucionária em curso no país é a “crise nas alturas” causada pela divisão e luta interburguesa, que potencializa a crise crônica do regime democrático burguês. A direção do PSTU, ao mesmo tempo em que minimiza esta crise, ao caracterizá-la como uma simples “crise de representação política”, por outro lado tende a superestimar a força e a consciência do proletariado e do movimento operário e de massas. Este segundo erro advém da incompreensão do significado da queda do governo Dilma e suas consequências sobre a consciência do proletariado e a situação do movimento operário e de massas. Erro que pode ser sintetizado na caraterização equivocada da “ruptura de massas com o PT”, elemento central no esquema político da direção do PSTU e da LIT.

Ora, certamente há uma ruptura de massas com o PT: a ruptura das massas pequeno burguesas e da “classe média”, que foram um dos pilares do pacto de classes que levou a frente popular ao poder e sustentou os governos de Lula e Dilma em seus anos de ouro. Esta ruptura ficou evidente nas manifestações do Coxinhaço, majoritariamente compostas pela pequena burguesia branca, exasperada pela crise econômica e insuflada pela “luta contra a corrupção do PT”. Porém, no proletariado e principalmente na classe operária a situação é diferente, pois está mediada pela crise de direção revolucionária.

Como já apontamos anteriormente, diante da crise do regime e da iminência da revolução proletária a burguesia utiliza duas medidas extremas: a frente popular e o fascismo. A história mostra que a experiência com um governo de frente popular é determinante para a formação da consciência de classe do proletariado e para sua ação revolucionária, na medida em que possibilita a experiência com as direções contrarrevolucionárias do movimento operário e de massas à frente do poder de Estado burguês e com sua política de conciliação de classes. Todavia, esta experiência só pode ser completada através da ação de um partido revolucionário com influência de massas, que ajude a classe a tirar as conclusões políticas corretas, quer dizer, que façam avançar sua consciência de classe rumo à ruptura com a burguesia e à revolução proletária. A falta de um partido revolucionário com influência de massas, assim como os erros do partido revolucionário ajudam os partidos traidores da frente popular a realizar sua missão histórica, resumida por Nahuel Moreno como sendo “desmoralizar e desmobilizar os trabalhadores, conduzindo-os a maiores sofrimentos ou a derrotas históricas”.[2]

É preciso fazer uma análise objetiva, quer dizer, científica, marxista, da experiência do proletariado com o PT e com sua principal liderança histórica, Lula. A direção do PSTU, obrigada a dar uma explicação para a contradição entre sua caracterização de “ruptura de massas com o PT” e o fato de que um número crescente de trabalhadores vê como saída um novo governo de Lula, e também ao fato de que Lula e o PT seguem dirigindo as lutas de massas contra as reformas e o governo Temer, reconhece que “O PT agora está na oposição e não está morto. Disputa o movimento. Ao mesmo tempo é um fator de desorganização e obstáculo para uma luta generalizada. Segue, porém, um processo de ruptura, embora não exista sua superação.”

Ora, o “processo” de ruptura com o PT não se iniciou agora e sua “superação” depende da construção de uma alternativa revolucionária de massas. Afirmações genéricas como essas nada acrescentam ao que já sabemos. O que a direção do PSTU não consegue enxergar (porque teria de rever sua caracterização de avanço qualitativo da “ruptura de massas” com o PT) é que, ao contrário, o PT e Lula seguem dirigindo o movimento operário e de massas e se preparando para a volta ao poder à cabeça de um novo governo de frente popular. Esta recomposição do papel dirigente de Lula e do PT começou já nas manifestações contra o impeachment de Dilma, e deu um “salto” a partir da experiência dos trabalhadores com o odiado governo Temer (as pesquisas indicam que a intenção de voto em Lula estava em torno de 20% no auge da crise do governo Dilma e hoje[3] saltaram para cerca de 30%, recuperando o patamar histórico de votos do PT no proletariado). O PT não apenas “disputa o movimento”, mas, através da CUT e de seus aliados da Frente Brasil Popular e da Frente Povo Sem Medo, está dirigindo a luta contra as reformas, pelo Fora Temer e pelas Diretas, já. Como não poderia ser diferente, segue dirigindo o movimento com sua política burocrática, eleitoral e traidora de conciliação de classes, ou seja, “cavalga” o ascenso das massas contra Temer e as reformas para canalizá-lo e desviá-lo para a via morta das eleições e para a salvação do regime democrático burguês e do sistema capitalista.

Ou seja, o processo de “ruptura de massas com o PT” não é linear e o que vemos neste momento é uma recomposição da autoridade política de Lula e do PT sobre as massas e a vanguarda. É preciso compreender este processo e responder por que depois de 14 anos de governos da frente popular o PT e Lula seguem cumprindo este papel de primeira ordem no movimento operário e de massas. A nosso ver, isto ocorre por três razões.

Primeiro, porque a experiência com os governos da frente popular não foi suficiente para que os setores mais avançados do proletariado tomassem consciência de que a principal causa de sua exploração e opressão é a política de conciliação de classes com a burguesia e o imperialismo aplicadas por Lula, o PT e demais direções burocráticas. Os anos de relativa “bonança econômica” que marcaram os dois governos de Lula e o primeiro mandato de Dilma, e a curta experiência com as medidas do “plano de ajuste” iniciadas no segundo mandato de Dilma (contra o seguro desemprego, o PIS e as pensões) não foram suficientes para evidenciar o caráter de classe antioperário e burguês do governo da frente popular. A queda de Dilma a partir das manifestações da pequena burguesia pelo “Fora Dilma, Fora PT”, levou a uma grande confusão na consciência do proletariado, que concluiu que o maior problema do país é a corrupção que atinge todos os políticos e todos os partidos e não a politica de conciliação de classes do PT com a burguesia. Diga-se de passagem, conclusão equivocada para a qual o PSTU deu uma contribuição inestimável com a política do “Fora todos!”. A rápida experiência com o governo Temer e sua política sem tréguas de aplicação das reformas antioperárias levam os trabalhadores de volta aos braços da frente popular, vista cada vez mais como um “mal menor” por milhões de proletários. A consciência classista da vanguarda que surge das lutas é ainda bastante incipiente, e a independência de classe segue sendo uma árdua tarefa a ser conquistada para o avanço da revolução. A falta de consciência de que a burguesia e o imperialismo são os verdadeiros inimigos deixa ainda um largo espaço para a política frente populista do PT e seus aliados.

Segundo, é preciso lembrar que o principal fator que limita a consciência e a dinâmica política do proletariado é sua crise de direção revolucionária, ou, o que significa o mesmo, o fato de que segue sendo dirigido majoritariamente pelo PT, PC do B e pela burocracia sindical. Para sermos mais precisos, o proletariado segue sendo controlado por estas direções que, mesmo estando em crise e perdendo autoridade sobre os trabalhadores, ainda impõem seu domínio burocrático sobre as principais organizações do movimento operário e de massas (sindicatos, centrais, movimentos populares, camponeses e da juventude). Além disso, o PT e o PC do B seguem sendo partidos operários burgueses com fortes aparatos eleitorais com influência de massas. Estas direções conformam uma poderosa burocracia operária/proletária encastelada nas organizações do movimento operário e de massas e no Estado burguês e desfrutam de grande poder social e político por serem os porta vozes oficiais do proletariado diante da burguesia, do imperialismo e do Estado burguês. Este lastro histórico da origem, esta implantação social e este poderio político, em particular da burocracia do PT, estão longe de ter acabado. Esta força política do PT e da burocracia sindical é a contra face do que definimos como crise de direção revolucionária, é o outro lado da moeda que completa a debilidade do partido revolucionário.

É com base nesta análise que seguimos caracterizando o PT como partido operário burguês[4]. A direção do PSTU e da LIT, mesmo sem expor de forma séria o seu revisionismo teórico desta caracterização, na prática já aplica uma política que trata o PT como um partido burguês.

Em um texto enviado ao CC em julho de 2015, no auge da crise do governo Dilma, camaradas da nossa fração já alertavam para a possibilidade de recomposição de Lula e do PT:

“Numa feliz frase em que conceitua a frente popular, Trotsky afirma que é uma aliança entre os exploradores econômicos (a burguesia) e os exploradores políticos do proletariado (a burocracia reformista). Esta “exploração política” do PT sobre a classe proletária só terá fim com a derrota desta burocracia, ou seja, com a construção de uma nova direção revolucionária para os sindicatos e as organizações do movimento operário e de massas. Enquanto esta estratégia do nosso partido não for consumada, toda derrota e toda crise do PT será parcial e a fênix poderá renascer das cinzas, caso se mantenha a crise de direção revolucionária. O PT, apesar da crise histórica que vive nesse momento, segue sendo o principal partido dirigente do movimento operário e de massas no país. E sequer do ponto de vista eleitoral está morto (…)

Talvez seja útil fazer uma alegoria para explicar o que pensamos. Muitos de nós já precisamos de uma chave de fenda para apertar um parafuso. Só que a chave que temos está muito velha, enferrujada, o cabo quebrado, a ponta rachada. Mas, como é a única que temos, somos obrigados a utilizá-la (mesmo que a xinguemos a cada volta do parafuso!). Para os trabalhadores mais conscientes o PT é como esta chave de fenda: na ausência de uma alternativa de direção operária revolucionária de massas ao PT, os trabalhadores se veem obrigados a seguir usando esta velha ferramenta. Lula, o principal líder operário já surgido no país, está neste momento empenhado na tarefa de reconstruir a identificação de classe dos trabalhadores com o PT. Seu trabalho é facilitado pela ausência de uma alternativa de direção operária de massas, ou seja, pela crise de direção revolucionária.”

Por fim, o terceiro elemento que explica a vitalidade de Lula, do PT, da burocracia sindical e sua política de conciliação de classes (a frente popular) tem a ver com os erros do PSTU. Na parte I de nossa plataforma de Fração[5], analisamos em detalhes a política ziguezagueante, os desvios oportunistas e sectários da política do partido durante os 14 anos de governos da frente popular. Erros que nos fizeram desperdiçar a grande oportunidade de avançarmos a um partido com influência de massas e que foram minando a autoridade política que o partido vinha conquistando no movimento operário e de massas.

A principal consequência da caracterização unilateral e equivocada de “ruptura das massas com o PT” é que dá por realizada a tarefa mais importante e mais difícil do partido revolucionário: livrar a classe operária de suas direções traidoras. Ou talvez devamos agradecer ao juiz Moro por realizar esta tarefa para nós? E como não poderia ser diferente, esta simplificação da realidade dá base a políticas equivocadas como a do “Fora todos”! e a do “terceiro campo”, que analisaremos em nosso próximo texto.


[1] Nos textos “A crise crônica dos regimes burgueses” e “A situação pré-revolucionária no Brasil”, que podem ser lidos neste blog.

[2] Nahuel Moreno, O governo Mitterrand, suas perspectivas e nossa política.

[3] Este texto foi escrito em junho de 2017.

[4] Conceito elaborado por N. Moreno. Vide “A traição da OCI”.

[5] Texto que ainda não publicamos.

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