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Assista ao vídeo para entender o que aconteceu:
Assine o Manifesto de Solidariedade acessando o link:
Excelentíssima Senhora Doutora Juiza de Direito da Terceira Vara Criminal da Barra Funda
Processo 0074736-77.2016.8.26.0050
Nós, abaixo assinados, dirigentes de organizações representativas da sociedade civil, profissionais liberais, acadêmicos e cidadãos comuns, valendo-nos do que dispõe os artigos da Constituição Federal, quanto ao direito de petição, e dos advogados de defesa dos réus, no processo acima epigrafado, dirigimo-nos a Vossa Excelência com o fim de demonstrar solidariedade a eles e de clamar pela sua absolvição. Não obstante a forma truculenta com que o Estado tem tratado a questão, mantemos a esperança de que, por intermédio da Justiça, a justiça prevalecerá.
Os réus foram, arbitrária e violentamente, detidos em 4 de setembro de 2016, quando se preparavam para participar, pacificamente, de manifestação por eleições diretas para Presidência da República, que teria lugar na Avenida Paulista. Dezenove jovens e três adolescentes marcaram, pelo Facebook, um “evento” – prática bastante comum entre adolescentes e jovens, principalmente a partir de 2013, para participarem, em grupo, de atividades como jogos esportivos, espetáculos culturais e, mesmo, manifestações de natureza política, e, assim, estreitarem relações com pessoas que só conhecem virtualmente. Pouco antes da manifestação, eles, por sugestão de um integrante do grupo, mais tarde identificado como capitão infiltrado das Forças Armadas, dirigiram-se ao Centro Cultural São Paulo, onde foram cercados e presos por policiais militares com forte aparato repressivo, assemelhado a aparelhamento de guerra. Após a ocorrência da prisão, o capitão foi misteriosamente excluído do grupo. Sobre ele recai a suspeita de ter armado, juntamente com a Polícia Militar, a emboscada que levaria os jovens àquele local, para serem encaminhados ao DEIC. No Departamento da Polícia Civil, os dezoito jovens maiores foram mantidos isolados de familiares e da assistência jurídica de seus advogados e submetidos a inquérito policial.
Causam-nos estranhamento alguns fatos que envolvem esse caso. A ação do capitão infiltrado do exército não é mencionada nos autos do processo. Não consta no inquérito policial qualquer alusão a esse agente público e às suas condutas. Essa ausência impediu que se apurassem suas responsabilidades na ocorrência. Destaca-se, nos autos, a informação inverídica de que os jovens trajavam, todos, roupas escuras e portavam materiais a serem utilizados na suposta execução de crimes. Quanto aos trajes, impacta-nos a absurda associação entre determinadas cores de roupa e a prática de crimes. Relativamente aos materiais portados, trata-se de utensílios comuns, como alicate de unha, por exemplo, e de materiais, como máscara cirúrgica e vinagre, utilizados para inibir os efeitos dos gases lançados pela polícia em manifestações públicas, como vinha ocorrendo, à época, com muita frequência. Não foi apreendido com os jovens nenhum objeto que representasse algum risco a outrem ou a patrimônio público ou privado. Observa-se, portanto, um esforço da polícia de, sem base na realidade, forjar índicios de crime.
São cidadãos de bem que se reuniram naquele 4 de setembro. Trata-se de jovens que se dedicavam, à época, a projetos bastante relevantes e comuns nesse estágio da vida, preparando-se, por exemplo, para exames vestibulares, para finalização de graduação, para desenvolvimento de atividades profissionais. Hoje, por força desse processo a que devem responder, enfrentam dificuldades seriíssimas para darem cabo de seus projetos. Alguns perderam seus empregos e custam a encontrar nova colocação no mercado de trabalho; outros foram excluídos da instituição de ensino que frequentavam. Há, ainda, aqueles que se defrontam com danos psicológicos que tolhem sua vida social.
Pelas informações disponíveis sobre o ocorrido, obtidas especialmente a partir de audiências públicas, que incluem a participação dos jovens e seus familiares, de advogados e de autoridades – Deputados, Vereadores e, inclusive, Ouvidor das Polícias de São Paulo – parecem-nos inverossímeis as versões apresentadas pelas polícias Militar e Civil.
A nós preocupa, sobremaneira, a tentativa de órgãos policiais, e mesmo do Ministério Público, de tipificar como criminosas manifestações legítimas de consciência de ideias e de valores democráticos. Não se afigura crível que reunião de jovens para esse fim, organizada por meio de facebook, possa ser caracterizada como associação para praticar crimes. Na ocasião, os jovens serviam-se adequadamente de equipamento público, o Centro Cultural São Paulo, que disponibiliza serviços culturais por eles apreciados. Reuniam-se, portanto, em condições públicas e com grande visibilidade, no afã de exercer, de forma pacífica, o mais justo direito à manifestação. Essa situação foi, ressalte-se, constatada pelo juiz Rodrigo Tellini Aguirre de Camargo, que, em audiência de custódia, decidiu pela liberação dos jovens e pela ilegalidade de suas prisões. Consta, em sua decisão, que “o Brasil como Estado Democrático de Direito não pode legitimar a atuação policial de praticar verdadeira ‘prisão para averiguação’ sob pretexto de que estudantes reunidos poderiam, eventualmente, praticar atos de violência e vandalismo em manifestação ideológica. […] A prova do auto de prisão em flagrante é de que todos os detidos estavam pacificamente reunidos para participar de uma manifestação pública, nenhum objeto de porte proibido foi apreendido”.
Todas as circunstâncias que cercam esse caso dão-nos a certeza de que os dezoito jovens estão sendo vítimas de perseguição política, num processo em que se demonstra o interesse do Estado de coibir o exercício do direito à livre manifestação, garantido pela Constituição, em seu artigo 5º, inciso IV. De nossa parte, consignamos a expectativa de que o Poder Judiciário rechace essa agressão aos direitos individuais dos acusados e ao Estado Democrático de Direito. É nossa convicção que os dezoito jovens não cometeram os crimes dos quais são acusados e devem, portanto, com base nos valores da Justiça, ser absolvidos.