Ariel Quiroga
Em cumprimento ao disposto no artigo 393 da LUC (Lei de Consideração Urgente), o governo Lacalle Pou enviará este mês ao Parlamento (Congresso) o projeto de lei para “a necessária reforma da previdência”.
No Uruguai não existe um sistema de previdência social como na França ou na Inglaterra, por exemplo. Existem fundos previdenciários de diversos setores, como o Fundo Militar ou o Fundo dos Profissionais Universitários e o Banco da Previdência Social, sem qualquer relação institucional entre eles.
É a este último que mais uma vez o capital financeiro, agora através deste governo, quer pôr as mãos. Por que?
Os trabalhadores da indústria e do comércio e todos os funcionários públicos contribuem para o Banco da Segurança Social (BPS), um desconto que lhes é feito mensalmente no seu vencimento, no vencimento diferido, na “contribuição do trabalhador” e na “contribuição patronal”, que não não sai do bolso dos capitalistas, mas da taxa de mais-valia de cada trabalhador.
Dessa forma, seu caráter solidário e intergeracional se estabelece, os trabalhadores ativos sustentam os já passivos e outros serviços que presta, como a assistência à saúde materno-infantil à época.
E pelo artigo 67 da Constituição, inciso B, nenhum governo pode fazer uso desses depósitos de contribuição, exceto para os serviços que o próprio BPS presta a ativos e passivos.
Daí a sua importância política, no que diz respeito à unidade da classe operária “para si”, porque esses depósitos não são do Estado, são da classe operária!
Já houve uma tentativa, em 28/08/94, de modificar essa propriedade coletiva, quando Luis Alberto Lacalle, pai do atual presidente, era presidente do pais, e 64% de nós, num referendo nacional, rejeitamos essa reforma constitucional. Não foi apenas uma derrota para o governo, que o havia aprovado no Parlamento, e para a própria Frente Ampla (*), desde seu candidato a presidente naquele ano, Tabaré Vásquez, mas também para seus dirigentes Seregni e Astori, que apoiaram a “reforma”; a Mesa Política da FA não se pronunciou e a Mesa Representativa do PIT-CNT (Plenário Intersindical de Trabalhadores – Convenção Nacional de Trabalhadores) (**) resolveu…liberdade de ação!
Agora eles voltam à carga novamente. Mas desta vez fizeram melhor: a FA votou a favor do artigo 393 da LUC, e no recente referendo de 27/3 para revogar 135 artigos da LUC, nem a FA, nem o PIT-CNT incluíram tal artigo para revogação.
Os artigos do projeto não são totalmente conhecidos, mas sabe-se que o seu objetivo é aumentar a idade de aposentadoria.
O que demonstra a dimensão da destruição do BPS que estão preparando é que na Comissão de Especialistas nomeados pelo governo para dar o seu “diagnóstico” do “déficit” do mesmo, da qual participavam o PIT-CNT e a FA, estes se retiraram, e daí se pode deduzir o tamanho do gato que querem passar por lebre.
Quando a FA e o PIT-CNT se retiraram da Comissão de Especialistas, só então milhares de trabalhadores descobriram que o governo de Lacalle quer fazer algo com o BPS.
A liderança política de sua defesa torna-se o aparato central do PIT-CNT, sua retirada da Comissão de Especialistas é uma derrota em seu objetivo de negociar “um sistema universal de seguridade social”. Tanto é assim, que no ato de 1º de maio, Marcelo Abdala, presidente do PIT-CNT, “solicitou humildemente” ao governo a retirada desse projeto.
Estamos diante de uma situação política em relação a essa conquista de nossa classe que exige precisão quanto à orientação dos trotskistas para sua intervenção.
Em primeiro lugar, “pela positiva”, devemos tomar as palavras do aparato central do PIT-CNT, de que o governo deve retirar o projeto, mas que não se trata de negociar algo, senão que é preciso abrir a discussão sobre o projeto e preparar a mobilização para que todas as “reformas” do BPS não possam ser aprovadas, como fizemos em 28/8/94.
Uma vez que o LUC foi aprovado no Parlamento com os votos da FA (aprovaram 51% dos artigos, incluindo o artigo 393), os militantes do aparato PIT-CNT, especialmente o PCU (Partido Comunista do Uruguai), saíram para justificar esse voto dizendo que dessa forma “forçamos o governo a discutir a aposentadoria dos militares”.
Aqui está a armadilha preparada, pois, com o argumento de baixar as pensões dos oficiais superiores das Forças Armadas, introduz-se a ideia de um “sistema universal de segurança social”, e assim, “pela positiva”, ajuda a concretizar um sonho antigo dos patrões: não só roubam milhões de dólares que pertencem à classe trabalhadora, mas também promovem uma enorme redução de salários, equiparando a carreira funcional dos militares à dos trabalhadores da indústria e do comércio.
Até a FA e o PIT-CNT se retirarem da Comissão de Especialistas, apenas os castro-chavistas da UP (Unidade Popular) haviam organizado o seu “Movimento em Defesa da Previdência Social” (MONDESS), que, por trás de uma linguagem muito classista, não apenas rejeitam qualquer intervenção no aparato central do PIT-CNT, exigindo que este assuma a sua responsabilidade na organização da mobilização para impedir que a “reforma” seja aprovada, mas também revelando todo o reformismo quando propõem… um projeto alternativo!
Dando assim ao governo e ao capital financeiro o direito de “reformar” o BPS em razão de seu “déficit”.
Sim, claro, em um país onde a desindustrialização foi completada pelos governos da FA, a taxa de desemprego é de dois dígitos, sendo óbvio que há um déficit no BPS.
Nem os castro-chavistas da UP, nem o aparato central do PIT-CNT mencionam os dois instrumentos com os quais o capital financeiro vem esvaziando o BPS nos últimos anos, os AFAPs, os Fundos de Pensão e o FONASA (Fundo Nacional de Saúde). Ambos os instrumentos, transformados em lei, eludem a previsão constitucional de que os recursos do BPS não podem ser aplicados em atividades fora dos serviços que lhe são atribuídos.
Fora do movimento de milhares de jovens e trabalhadores que sempre se mobilizam nos marcos do PIT-CNT, NÃO HÁ NADA!
Daí a importância e a obrigação dos militantes de uma Internacional Operária e Revolucionária tentarem abrir a discussão no interior da central sindical de que é preciso organizar a mobilização para impedir que a contrarreforma do BPS seja aprovada no Parlamento.
(*) Frente Ampla é uma coalizão de partidos de caráter frente populista (de colaboração de classes entre trabalhadores e patrões), encabeçada pelo Partido Socialista e pelo Partido Comunista uruguaios, que governou o pais com Tabaré Vasquez e José Mujica.
(**) PIT-CNT é a principal central sindical do Uruguai.
[Imagem: Paralisação Nacional de 4 horas convocada pelo PIT-CNT, em 8 de julho passado, contra as medidas de ajuste do governo]