Posso ajudar um irmão?

Por Sandra Fortes

1 de fevereiro de 2020, 6h25, estação da Luz do metrô, Linha Amarela, quiosque de lanches, entro na fila.

– Senhora, me paga um café? – me pediu um jovem “quase preto de tão pobre”, mais ou menos 20 anos, com um pacotinho de pão de queijo nas mãos, que comia. Eu disse – Pago. Outras pessoas, não sei quantas, já haviam dito “não” para o jovem, que andava para trás na fila em que eu estava.

Quando fui atendida, pedi uma porção de pão de queijo e dois cafés, um com leite, pois esta foi a preferência do jovem. Pedi álcool, limpei as mãos, peguei o pão de queijo e me dirigi à lateral do balcão, junto com o jovem para pegarmos nossos cafés. Ele pegou o copo, me agradeceu, saiu bebendo e desceu a escada rolante.

Enquanto mastigava o pão de queijo, ainda parada no balcão, um senhor e uma jovem, que também lanchavam, conversavam, nitidamente reprovando o que eu e o rapaz fizemos. – Eu não dou, não compro nada pra essa gente que fica pedindo. – disse o homem, prontamente completado pela jovem trabalhadora com um “Eu também não!”.

Eu, que felizmente só tinha o lado direito do fone no ouvido, ouvi e o arranquei para me intrometer na conversa, que era um julgamento, tanto do comportamento do rapaz, quanto do meu. Entrei na conversa falando baixo e pacientemente para nos defender. – Eu compro sim o que pedem, se eu tiver dinheiro. O homem então disse, do alto dos seus quase cinquenta anos, e da sua arrogância de “juiz de quem precisa ou não”, com a jovem sempre   concordando – Não dou dinheiro, não compro nada, não precisam, precisam trabalhar. Rapaz novo, vá procurar um trabalho. Então eu aumentei meu tom de voz e subi no alto dos meus mais de cinquenta anos e experiência, para dizer que eu esperava que ele estivesse procurando e que conseguisse um trabalho, que está muito difícil. Mas que ali, naquela hora ele estava com fome, pedindo comida e precisava comer. Não é crime pedir e não é crime ser solidária. Não posso dar trabalho para ele, mas posso pagar um café. Alguém pôde pagar o pão de queijo, e fez bem!

A jovem então começou a exemplificar pessoas que pedem comida e vendem o que conseguem. (Aqui, um parêntese: nem era o caso do rapaz, que comia o pão de queijo e saiu constrangido, tomando o café.). Mas, se vender o que recebe, não está apenas reproduzindo o movimento do capitalismo? Afinal, a maior parte do que vendem os capitalistas não é pago, por exemplo, a força de trabalho para a qual pagam uma miséria, que exploram, que roubam para enriquecerem, condenarem e criminalizarem a nossa miséria. Pensei.

– Que Deus me perdoe, mas eu não ajudo. Tanto trabalho! Que vão trabalhar! – falou a moça. O homem faltou aplaudir.

Foi minha vez de falar, pois apesar do antagonismo de opiniões, conversávamos, nos ouvíamos – Não há tantos empregos e trabalhos como vocês estão falando. Falta trabalho!  Há mais gente trabalhando do que pedindo. Quando chegam a pedir é porque estão famintos e nós trabalhador@s, que sabemos o tanto que é difícil, temos obrigação de contribuir com estas pessoas, se pudermos. Há famílias inteiras morando nas ruas, mulheres, crianças e homens, são trabalhador@s, inclusive com os cãezinhos … Por falta de trabalho, por trabalhos com salários muito baixos, pelo alto preço dos aluguéis…

Neste momento a conversa teve uma pausa, a jovem imediatamente falou – Mães com crianças, eu ajudo! O homem não falou nada, pensativo seguiu ouvindo. A trabalhadora da lanchonete que preparava e servia o café, que fazia coro com a condenação, falou neste momento – Temos que fazer o que manda o coração. E eu continuei: – Existem muitas coisas que me deixam indignada, e uma delas é a hipocrisia. Aqui na Linha Amarela, berram nos nossos ouvidos o tempo inteiro pelos alto falantes, para “não contribuir com esmolas ou com o comércio ambulante”. No entanto, estamos numa das inúmeras lanchonetes e quiosques que vendem o que querem os capitalistas. Na linha azul @s ambulantes vendem arriscando a mercadoria, tomada pel@s seguranças. Que mal há em vender no metrô? As empresas podem! Nós trabalhador@s, não?! Está errado! Não podemos condenar aqueles e aquelas que já estão condenad@s ao desemprego, à fome e à miséria, enquanto estas empresas aumentam seus lucros nas nossas costas e às nossas custas. Eu participo da luta para acabar com esta desigualdade e contribuo, quando posso, para amenizar a fome de uma irmã ou um irmão que me pede.

Neste momento, parece que pensando pela primeira vez no que eu falei, disseram que eu tinha razão. Precisamos, e podemos sim, ser solidári@s com noss@s irm@s de classe!

Despedimo-nos, @s quatro, para seguir nossas vidas, refletindo sobre o ocorrido naquela manhã e a nossa conversa.

São Paulo, 1 de fevereiro de 2020

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