100 Anos da Revolução Russa: o que podemos aprender da estratégia e da tática do bolchevismo (I)

Por Wiliam Felippe

Os 100 anos da Revolução Russa estão sendo lembrados através de artigos, reportagens e programas especiais em todos os meios de comunicação, nos quatro cantos do planeta. Todo o espectro político, do fascismo ao trotsquismo, se vê na obrigação de se manifestar e render tributo àqueles “dez dias que abalaram o mundo”, na célebre expressão de John Reed.

Estes fatos, por si sós, demonstram o vigor da revolução que moldou o século XX. O surgimento da URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas), o primeiro estado governado pelos operários, camponeses e o povo pobre, seria o fato determinante na economia e na política do último século. E os acontecimentos daquele longínquo outubro de 1917 parecem ainda assombrar as mentes dos donos do mundo.

Do nosso ponto de vista, o dos trabalhadores e trabalhadoras conscientes que lutam pela revolução social, a questão que se coloca é: o que temos a aprender com a estratégia e a tática dos bolcheviques, o partido que dirigiu a revolução? A esta questão dedicaremos este e outros artigos, e, assim, renderemos nós também nosso pequeno tributo à grande revolução vermelha buscando apreende-la do ponto de vista do marxismo revolucionário, quer dizer, o marxismo a serviço da ação revolucionária.

Começaremos pelo mais importante, a estratégia. Quais são os elementos principais da estratégia do bolchevismo que foram decisivos para a vitória? Vamos sistematizá-los em cinco: a questão do poder de estado; a resistência ao imperialismo; as medidas anticapitalistas; o controle operário e a burocracia; e por fim, o que consideramos mais importante, o partido revolucionário. Em seguida abordaremos os principais elementos de tática política.

Tomar o poder e destruir a máquina estatal capitalista

A primeira lição estratégica do bolchevismo é sobre a questão fundamental de toda revolução: o poder de estado. Lenin, o principal dirigente do partido bolchevique, lançado à clandestinidade após a repressão desencadeada pelo governo de Kerenski nas Jornadas de Julho de 1917, escreveu seu livro “O Estado e a revolução”, onde sintetizou a estratégia bolchevique: é preciso tomar e quebrar, destruir a máquina do estado capitalista. Não é possível reformá-la para colocá-la a serviço dos explorados e oprimidos, é preciso construir uma nova máquina estatal alicerçada num novo poder: o dos operários, camponeses e o povo pobre.

E que máquina estatal é esta que deve ser destruída? Nós, trabalhadores brasileiros, a estamos vendo neste momento a esmagar nossos salários, empregos e direitos, a esmagar nossos sonhos. É a máquina da democracia corrupta dos ricos: o governo Temer, o Congresso de picaretas, os juízes “donos da verdade”, os governadores e prefeitos e seus lacaios deputados e vereadores. É a máquina da ditadura da burguesia fantasiada de democracia. Ao lado desta máquina política temos a máquina da repressão militar que ataca nossas greves, ocupações e manifestações, que prende nossas lideranças e que assassina nossos filhos e filhas, irmãos e irmãs, amigos e amigas, pretos e pretas e pobres das periferias por este Brasil afora. Máquina militar que conhecemos do passado recente das ditaduras que prenderam, torturaram e mataram milhares de trabalhadores e trabalhadoras no Brasil, Argentina, Chile e tantos outros países.

Esta máquina política e militar que chamamos de Estado burguês tem que ser quebrada, destruída: esta é a lição da revolução de outubro de 1917. E essa também é a lição das últimas décadas no Brasil em que o governo esteve nas mãos de Lula e do PT, período em que a esquerda e os setores progressistas da sociedade mais tiveram poder político em toda a história de nosso país. E qual foi o resultado? A democracia deixou de ser corrupta e dominada pelos ricos capitalistas? Não! Aconteceu o contrário: Lula e seu partido se aburguesaram e se atolaram na corrupção congênita entre o estado burguês e as grandes empresas. E depois foram despedidos com um pontapé (o impeachment de Dilma) pela burguesia, que mostrou quem de fato manda no poder. Nos governos de Lula e de Dilma os jovens pretos não deixaram de ser assassinados pela PM nas quebradas e a máquina repressiva do Estado foi reforçada com a criação da Força de Segurança Nacional e com a aprovação da lei “antiterrorismo” para facilitar a prisão e condenação de ativistas.

A ditadura do proletariado

E o que colocar no lugar da máquina estatal burguesa destruída? As revoluções sempre aprendem umas com as outras. A Revolução Russa de 1917 aprendeu com a Comuna de Paris de 1871, quando, segundo Marx, os operários e o povo pobre de Paris “tomaram o céu de assalto” e formaram o primeiro governo proletário da história. A Comuna sobreviveu por 60 dias até ser esmagada pelas forças coligadas da burguesia francesa e prussiana, mas nestes poucos dias forjou através da experiência e da luta revolucionária alguns princípios básicos para a organização do estado dos explorados e oprimidos. Esta rica experiência da Comuna já havia sido sistematizada por Marx e Engels e foi retomada por Lenin em seu livro já citado:

O primeiro decreto da Comuna suprimiu o exército permanente e substituiu-o pelo povo armado. (…)

Comuna foi constituída por conselheiros municipais eleitos por sufrágio universal nos diferentes bairros de Paris. Eram responsáveis e, a todo o tempo, amovíveis [substituíveis].  A maioria compunha-se, muito naturalmente, de operários ou de representantes reconhecidos da classe operária.

A polícia, até então agente do governo central, foi imediatamente despojada das suas atribuições políticas, tornando-se um agente responsável e sempre amovível da Comuna. O mesmo princípio foi aplicado a todos os funcionários da administração.

A começar pelos membros da Comuna, até embaixo, a remuneração do serviço público não devia ser superior a um salário normal de operário. Os direitos adquiridos e os direitos de representação dos altos titulares do Estado desapareceram com esses mesmos títulos…

Suprimidos o exército permanente e a polícia, elementos da força material do antigo governo, a Comuna decidiu destruir a força espiritual de repressão, o poder dos padres…

Os magistrados deviam perder a sua aparente independência… Como os demais servidores do povo, os magistrados e os juízes deviam ser eleitos, responsáveis e amovíveis.

Estas medidas simples e diretas dos comunardos de Paris, que Marx e Engels chamaram de “ditadura do proletariado” (ditadura sobre a burguesia e liberdade para o proletariado) foram adotadas pelos revolucionários russos na edificação do estado operário, a partir dos Sovietes (conselhos) que haviam sido os órgãos para a luta revolucionária e para tomada do poder. Em seu artigo “A estrutura do sistema soviético”, John Reed, explica como funcionou este poder operário, popular e camponês.

A experiência de ditadura do proletariado da Comuna e dos primeiros anos da Revolução Russa conservam até hoje sua atualidade histórica e perspectiva estratégica na luta revolucionária contra o Estado burguês que nos massacra.

A resistência ao imperialismo

A segunda lição estratégica do bolchevismo é no enfrentamento ao imperialismo. A revolução, ao começar no terreno nacional, se depara de imediato com a tarefa de resistir ao imperialismo, senhor supremo dos destinos dos povos do mundo.

O Império Russo oprimia dezenas de povos no interior de suas fronteiras, mas ocupava um papel subordinado aos países imperialistas dominantes, a Inglaterra e a França, com os quais formara a Tríplice Entente contra o bloco imperialista liderado pela Alemanha na I Guerra Mundial. Após a queda do tzarismo o Governo Provisório sustentado pelos mencheviques e social revolucionários manteve os acordos de guerra da Entente, subordinando-se aos apetites imperialistas da França e da Inglaterra e da própria burguesia russa. Os soldados revolucionários continuavam a morrer nas trincheiras e a fome dizimava o povo pobre nas cidades e no campo russo.

A tarefa de retirar a Rússia revolucionária da guerra demonstrou duas características fundamentais do bolchevismo na luta antimperialista, que combinavam a firmeza revolucionária com a política realista derivada da análise objetiva da correlação de forças.

Desde a deflagração da guerra, em 1914, o partido bolchevique defendeu a política do “derrotismo revolucionário”, recusando-se a apoiar a Rússia na guerra, negando-se a apoiar o massacre dos operários de diferentes países entre si numa guerra de rapina das burguesias europeias e chamando a transformar a guerra imperialista em guerra civil. Ao tomar o poder em outubro de 1917, o primeiro decreto aprovado pelo Congresso dos Sovietes é o da Paz rompendo a aliança com a França e a Inglaterra, acabando com a diplomacia secreta e autorizando a publicação dos acordos diplomáticos secretos. Os revolucionários russos faziam um apelo aos povos em guerra por uma trégua imediata e por uma “paz sem anexações, nem indenizações”.

Mais difícil foi a negociação com a Alemanha, cujas tropas se encontravam às portas de Petrogrado, a capital da revolução. Nas negociações de Brest Litovsk, chefiadas por Trotsky, a jovem Rússia revolucionária cansada, mutilada e esfomeada por quatro anos de guerra foi obrigada a fazer grandes concessões territoriais ao Império Alemão, o que gerou a primeira crise no governo revolucionário. O realismo revolucionário dos bolcheviques teve que se contrapor à fraseologia nacionalista e guerreira dos social revolucionários de esquerda que compunham o governo dos sovietes, e dos anarquistas, que a partir deste momento passaram à oposição frontal ao governo revolucionário.

A saída da Rússia da guerra iria acelerar o fim da carnificina que já matara milhões de pessoas na Europa. Mas, o fim da guerra traria um novo desafio à Rússia vermelha. As classes derrotadas pela revolução, a burguesia e a nobreza latifundiária e os partidos conciliadores dos mencheviques e social revolucionários foram buscar apoio nos exércitos imperialistas para derrubar a república soviética. E aqui se inicia a epopeia da Guerra Civil escrita com o sangue e o heroísmo da vanguarda do proletariado russo, organizados no Exército Vermelho, sob a direção de Trotsky: 14 exércitos imperialistas foram derrotados, consolidando após três anos de guerra civil, o estado soviético. Victor Serge, em sua obra “O ano I da Revolução Russa”, nos dá um relato histórico vívido deste período da revolução.

Contudo, há outra tarefa antimperialista, talvez menos conhecida, que compõe o legado estratégico deixado pelo bolchevismo. Trata-se da luta contra o próprio imperialismo russo através do direito à autodeterminação dos povos que viviam oprimidos dentro do antigo Império russo. Na Rússia tzarista, o povo grão russo impunha sua dominação cultural sobre os ucranianos, lituanos, judeus, finlandeses, tártaros e dezenas de outros povos, que eram proibidos de praticar sua própria cultura e tradições. A política de autodeterminação foi colocada em prática pelo governo dos sovietes através da Declaração dos direitos dos povos da Rússia, que estabelecia “o direito dos povos a dispor de si mesmos, até a se separar para constituir Estados independentes” e a “abolição de todos os privilégios nacionais e religiosos e livre desenvolvimento de todas as minoria nacionais e etnográficas”. Estas medidas democráticas adotadas pela Revolução eram inéditas no mundo naquele início de século XX atravessado pelas guerras e pelos ódios nacionalistas. São tarefas que ainda hoje mantém sua plena atualidade nas lutas contra o racismo e a xenofobia, na defesa dos direitos à liberdade de expressão e de diversidade cultural dos povos e etnias.

Estes ensinamentos de resistência ao imperialismo mostram sua plena atualidade para enfrentar situações como a vivida pela Grécia, pela Catalunha, pela Venezuela e por todos os países e povos dominados pelo imperialismo americano, europeu e japonês, contraponto a política revolucionária do bolchevismo às políticas vacilantes e capituladoras do Syriza, de Carles Puigdemont e do chavismo.

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