A frente ampla burocrática nas eleições da Apeoesp
W. Ioffe
As eleições da Apeoesp precisam ser acompanhadas pelas trabalhadoras e trabalhadores conscientes, principalmente pela vanguarda ativista dos sindicatos e movimentos de luta de todo o país.
A atual direção majoritária da Apeoesp, encabeçada pela presidente Maria Isabel (Bebel), da CUT e deputada estadual do PT, anuncia “um momento histórico na Apeoesp” e que “uma nova era se abre para a nossa entidade” com a formação da chapa 1 – Apeoesp Unida.
Esta euforia da burocracia cutista se justifica plenamente: nunca antes na história deste sindicato as principais correntes de oposição haviam se unificado com a Articulação da CUT (e sua aliada CTB), que dirige a Apeoesp desde a sua fundação. Uma parte importante destas correntes abandonou a oposição que fazia há décadas à direção cutista, tendo à frente a Resistência/PSOL/Travessia, Apeoesp na Escola e na Luta (ligada à Primavera Socialista/PSOL), Educadores em Luta (ligada ao PCO) e TLS (ligada ao MES), seguidas por uma pequena miríade de correntes como MEOB, FOS, Conspiração Socialista, Unidos pra Lutar (ligada à Revolução Socialista/PSOL), entre outras. A unidade na chapa 1 se faz sob o slogan “Uma Apeoesp Unida, Uma só força, Uma só luta”.
A chapa 1 – Apeoesp Unida logrou também o apoio da Frente Ampla que hoje sustenta o governo Lula-Alckmin, que engloba partidos, correntes, personalidades e mandatos parlamentares, desde o Movimento Pretas e Guilherme Boulos, do PSOL, até os parlamentares do PT e do PCdoB.
A Apeoesp é um dos principais sindicatos do país, e a nova coalizão de forças plasmada na chapa 1 aponta para uma reorganização das forças e das alianças no conjunto do movimento sindical. Resta saber qual o verdadeiro significado político desta frente ampla da chapa 1 para a luta da classe trabalhadora.
Uma só luta. Mas, contra quem?
A razão principal apresentada pelas correntes da ex-oposição para a nova aliança com Bebel/CUT/PT na chapa 1 é a necessidade de enfrentar o novo governo de São Paulo, de Tarcísio de Freitas (Republicanos), aliado do ex-presidente Bolsonaro. Sem dúvida alguma, o bolsonarista Tarcísio, que tem no seu governo também o PMDB de Temer e o PSD de Kassab, planeja avançar com os projetos de privatização de serviços públicos e de ataques aos direitos trabalhistas e democráticos, e é uma grave ameaça à classe trabalhadora, em particular às/aos trabalhadoras/es da Educação e ao conjunto do funcionalismo público. Contudo, os novos aliados da chapa 1 ignoram um fato grande como uma casa: quem governa hoje o país é Lula e o PT, em coalizão com Alckmin e vários partidos da burguesia (entre eles os partidos de Temer e Kassab e até bolsonaristas “arrependidos”). O governo Lula-Alckmin é hoje o principal gestor do capitalismo semicolonial e decadente no Brasil.
A classe trabalhadora e o conjunto da sociedade estão fazendo a experiência com este governo de frente popular, que se propõe a resolver os graves problemas nacionais e melhorar a vida do povo trabalhador com a política de colaboração de classes e de aliança com os partidos da burguesia, sob a mediação das instituições do Estado burguês.
O governo Lula-Alckmin é hoje o principal responsável pela aplicação do execrável Novo Ensino Médio e da nova BNCC, aprovados pelo golpista Temer. A luta pela revogação do NEM/BNCC não é só contra Tarcísio/Feder, mas também contra Lula-Alckmin/Camilo Santana.
As jornadas de trabalho exaustivas (APDs etc.) e a falta de direitos das/os professoras/es com contrato temporário (categoria O, que hoje compõe cerca de metade da categoria), avançaram muito após o desmonte da CLT e da legislação de proteção à classe trabalhadora. Por isso, a conquista de direitos para os precarizados e a defesa dos direitos ameaçados dos efetivos da Rede Estadual de Educação só pode avançar no marco da luta do conjunto da classe trabalhadora pela revogação da reforma Trabalhista e Previdenciária e da Lei das Terceirizações de Temer e Bolsonaro e pelo restabelecimento dos direitos trabalhistas e sociais da Constituição de 1988. Porém, Lula e o PT, que na campanha eleitoral falavam em “revisar” estas reformas, após quatro meses de governo nem tocam mais no assunto. Este silêncio de Lula e do PT abre caminho para novos ataques, como a troca do salário pelo subsídio, que o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (PMDB), aliado de Tarcísio, quer impor às/aos trabalhadoras/es da Educação do município. Os ataques ao funcionalismo público se estendem a muitos municípios, a exemplo do governo de Taboão da Serra, do prefeito Aprígio (Podemos), que é apoiado por Lula, Guilherme Boulos, e o PT, anuncia a terceirização das Auxiliares de Classe, uma importante categoria do Quadro de Apoio do Magistério.
Os métodos para o enfrentamento ao governo bolsonarista de Tarcísio e ao governo de frente popular de Lula-Alckmin não são os mesmos, na medida em que este último desfruta do apoio dos setores mais conscientes e organizados da classe trabalhadora. É preciso aplicar uma política de explicação paciente para que, a partir de sua própria experiência, as trabalhadoras e trabalhadores vão se convencendo de que a política de colaboração de classes de Lula, Boulos, PT, PSOL, PCdoB e seus aliados é um beco sem saída e que é necessário romper e lutar contra a burguesia e o imperialismo para avançar na solução dos graves problemas da classe trabalhadora.
Ao colocar como único inimigo o governador Tarcísio e se calar sobre o governo Lula-Alckmin, a frente ampla formada pela chapa 1 e seus apoiadores mente para as/os trabalhadoras/es, revelando assim sua verdadeira natureza política: a de servir de para-choque do governo de Lula-Alckmin nos sindicatos e nas lutas da classe trabalhadora. Este papel não é novo para Bebel, a CUT e o PT. Mas, agora, a burocracia cutista-petista conta também com as correntes da antiga oposição para colocar a Apeoesp como mero suporte do governo da Frente Ampla e para imobilizar e trair as lutas da categoria.
Uma só força. Ou o abraço dos burocratas?
Em seu manifesto, as correntes que abandonaram a oposição buscam justificar sua guinada em direção à burocracia cutista com frases do tipo: “É necessário fortalecer as organizações de luta da nossa classe, por isso, nestas eleições, a palavra de ordem deve ser: unidade pra lutar!” Mas, é preciso perguntar: o que levou ao enfraquecimento da Apeoesp, assim como do conjunto dos sindicatos e movimentos de luta da nossa classe? Obviamente, os ataques e golpes da burguesia e dos seus governos aos direitos trabalhistas e democráticos, assim como o avanço capitalista de novas tecnologias que trazem consigo a precarização do trabalho. Contudo, é preciso destacar também a traição às lutas da classe trabalhadora feitas pelas direções burocráticas dos sindicatos e movimentos, como a de Bebel/CUT/PT na Apeoesp, que têm levado as greves e manifestações à impotência e à derrota. A isto se somam as ilusões reformistas de “empoderamento parlamentar” e de “governos de frentes amplas com a burguesia democrática”, propagadas em cada eleição pelos dirigentes e partidos que falam em nome da classe trabalhadora, como Lula, Boulos, o PT, o PSOL e o PCdoB, que fazem retroceder a consciência e a organização de classe do proletariado.
As correntes ex-oposicionistas que aderiram à situação na Apeoesp riscaram do seu programa um ponto fundamental: a luta contra a burocracia sindical, esta casta parasitária que controla os sindicatos e demais organizações da classe trabalhadora, do povo pobre e da juventude para colocá-las a serviço dos capitalistas e seus governos, assim como de projetos pessoais de “empoderamento” dentro das instituições do Estado burguês.
Os dirigentes da Resistência/Travessia, Apeoesp na Escola e na Luta/Primavera Socialista/PSOL, Educadores em Luta/PCO, TLS/MES e seus satélites afirmam que tomaram a decisão de se unir a Bebel/CUT/PT “após longos debates e ouvindo muito aqueles e aquelas que sempre estiveram ao nosso lado nas regiões e nos enfrentamentos em cada escola e na luta…” Essa frase não passa de pura mentira. Os ativistas e militantes de base destas correntes foram surpreendidos e atropelados pela decisão das cúpulas dirigentes.
O que vemos nas escolas é um rechaço total a esta aliança com Bebel e a direção burocrática da Apeoesp. E isto ocorre por uma razão bem simples: as trabalhadoras e trabalhadores da Educação nas escolas já fizeram a experiência com Bebel e a direção da Apeoesp, a consideram responsável pela traição de inúmeras lutas e greves e a identificam corretamente como um obstáculo a ser varrido do sindicato para que a Apeoesp possa recuperar sua capacidade e força de luta. Esta consciência antiburocrática de amplas massas da categoria abria a possibilidade de uma vitória eleitoral de uma chapa unificada de todas as correntes de oposição. O socorro dos ex-oposicionistas a Bebel e Cia. chegou em boa hora… para Bebel e Cia.
Ao contrário do que afirmam os apologistas da “unidade” da chapa 1 – UMA, esta unidade não fortalece a Apeoesp nem as lutas da categoria, mas sim a burocracia encastelada no sindicato.
Uma só burocracia
Apesar das aparências, o abandono das fileiras da oposição por parte das correntes já citadas não foi um “raio em céu azul”, mas fruto de um longo processo de adaptação burocrática dos dirigentes destas correntes. A dialética é implacável! Em um texto que já publicamos [link], buscamos analisar como se deu este processo de transformação da quantidade em qualidade:
“há um elemento mais estrutural que tem levado à adaptação das correntes oposicionistas à direção majoritária da Apeoesp: a burocratização. Enquanto ao longo dos anos se consolidava a burocracia cutista na direção central do sindicato, avançava também a burocratização das correntes oposicionistas, sobretudo daquelas que têm assento na diretoria estadual e que dirigem subsedes da Apeoesp. A proporcionalidade na composição da diretoria, uma importante conquista da democracia sindical, transformou-se no seu oposto, ao ser manejada habilmente por Bebel/PT/CUT como instrumento de cooptação e acomodamento burocrático dos dirigentes oposicionistas. O mesmo ocorre com a estrutura das subsedes: de forma democrática de organização do sindicato, acabaram se transformando em pequenos aparatos sindicais manejados por correntes oposicionistas cujas práticas pouco diferem da burocracia central: aparatismo, seguidismo dos “calendários de luta” baixados pela “central”, falta de organização das lutas regionais, abandono do trabalho de base, convivência pacífica com a burocracia escolar das Diretorias de Ensino e Escolas etc. Ao se unirem com Bebel/CUT/PT/CTB/PCdoB no “chapão da burocracia”, estas correntes oposicionistas estão colocando em primeiro plano a preservação de seus cargos e poder no aparato da Apeoesp, em detrimento das necessidades da base nas escolas.”
“Há outro processo que corre paralelamente à burocratização da entidade, mas que converge no mesmo sentido. Nos últimos anos, muitos/as dirigentes e lideranças reconhecidas da Apeoesp, da situação e da oposição, passaram a fazer parte da burocracia escolar da Secretaria de Educação, seja como diretores/as, [vice-diretores], supervisores/as ou coordenadores/as, o que tem acentuado a perda de independência do sindicato em relação ao Estado. Esta cooptação para a burocracia escolar em geral é justificada pela ideia de que estes dirigentes vindos da Apeoesp implementariam uma “gestão democrática” nas escolas. Porém, sabemos que, apesar das boas intenções que possam alentar esta ideia, não é possível falar em “gestão democrática” num sistema escolar baseado em nomeações para cargos de confiança pelo critério do compadrio e do loteamento por políticos patronais, sem nenhuma transparência nem participação democrática das/os Trabalhadoras/es da Educação. A luta por uma verdadeira gestão democrática passa por retomarmos as bandeiras de Fim da Supervisão Escolar, Eleição Direta de Diretores, Vices e Coordenadores, e Assembleias da Comunidade Escolar para decidir sobre as questões mais importantes da escola. Essa simbiose da Apeoesp com a burocracia escolar tem levado a uma política de convivência pacífica com as Diretorias de Ensino e as “equipes gestoras” das escolas, muitas vezes o sindicato não fazendo a defesa de professoras/es que sofrem assédio de direções autoritárias. A burocratização dos sindicatos é consequência de sua aproximação e subordinação política ao estado burguês. A ascensão de antigos dirigentes da Apeoesp a cargos na burocracia escolar estatal contribui também para a perda da independência do sindicato frente ao governo.”
A estes dois processos de burocratização deve-se acrescentar a formação de uma burocracia parlamentar a partir da cooptação para a aparato do Estado burguês, principalmente para os Parlamentos municipais, estaduais e federal, de muitos e muitas dirigentes dos sindicatos e demais organizações da classe trabalhadora e do povo pobre e oprimido.
A unidade que se articula em torno à chapa 1 – Apeoesp Unida aglutina numa só frente burocrática o conjunto desta burocracia sindical, estatal e parlamentar que “representa” e fala em nome da classe trabalhadora junto às instituições do Estado burguês. E que se coloca hoje como o principal para-choque para tentar impedir que a classe trabalhadora avance em sua experiência com a política de conciliação de classes e de colaboração com a burguesia e o imperialismo, sintetizada no governo frente populista de Lula-Alckmin. É a unidade da frente popular (Frente Ampla), a unidade dos exploradores políticos da classe trabalhadora a serviço dos exploradores econômicos da nossa classe (a burguesia e o imperialismo).
Por outro lado, a unidade conquistada pelas correntes e ativistas independentes que formam a Oposição Unificada Combativa permite desmascarar diante da base o verdadeiro caráter da burocracia sindical, parlamentar e estatal plasmada na Chapa 1 – Apeoesp Unida, e dar continuidade à luta histórica das oposições sindicais da Apeoesp por um sindicato de luta, democrático, organizado nas escolas e independente dos governos A luta travada pela Oposição Combativa neste momento na Apeoesp é parte da luta decisiva pela construção de uma nova direção socialista e revolucionária para o proletariado, que tenha como estratégia a conquista de um Governo da Classe Trabalhadora, sem patrões, que avance para uma Sociedade Socialista sem explorados, nem oprimidos.
[Imagem: foto dos principais dirigentes da atual direção da Apeoesp que compõem a chapa 1 – Apeoesp Unida]